30 abril 2021

uma jurisprudência de cordel

Tem causado grande alarido nas hostes do Partido Socialista a declaração esta semana pelo antigo ministro João Cravinho que no tempo de José Sócrates (2005-11), o Partido não estava interessado em combater a corrupção (cf. aqui).

Não estava interessado nessa altura nem agora.

Veja-se o  que aconteceu com o célebre acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional que fez prescrever todos os crimes de corrupção que eram atribuídos a José Sócrates e aos outros arguidos no âmbito da Operação Marquês,  incluindo aquele que o próprio Juiz Ivo Rosa lhe atribuiu e ao seu amigo Carlos Santos Silva.

O Supremo Tribunal de Justiça tinha fixado jurisprudência segundo a qual o prazo de prescrição de um crime de corrupção (que é de 5 anos) começa a contar-se a partir do momento do último pagamento ao corruptor passivo.

Assim, tendo José Sócrates tomado posse em 2005 como primeiro-ministro, e tendo nessa altura começado a "abrir portas" de negócio ao amigo, foi só quando saiu de primeiro ministro em 2011 é que começou a receber pagamentos, os quais se mantinham à data de abertura do inquérito em 2013. Segundo a jurisprudência do STJ, nesta data o prazo de prescrição nem sequer tinha começado a contar.

Ate que em 2019, veio o célebre acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional que o juiz Ivo Rosa se sentiu vinculado a invocar. Segundo este acórdão, o prazo de prescrição começa a contar-se a partir do momento em que há o acordo de corrupção entre as partes, o que no caso de José Sócrates significa a data em que tomou posse como primeiro-ministro (2005). Segue-se que em 2013, quando foi aberta a investigação, os crimes já estavam prescritos.

Na prática, segundo esta jurisprudência de cordel, quando se dá pelo crime de corrupção, ele já prescreveu. E foi assim, com  este passe de mágica, que desapareceram todos os crimes de corrupção da Operação Marquês.

Ora, é preciso não esquecer, que o acórdão foi aprovado com os votos decisivos de dois mandatários do PS no Tribunal Constitucional, os "juízes conselheiros" Cláudio Monteiro (relator) e João Caupers (actual presidente do TC), os quais não são juízes nenhuns, excepto no nome.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que é feita por verdadeiros juízes conselheiros, foi revogada e substituída por uma jurisprudência de cordel, feita por militantes do PS que nem sequer são juízes, e que, num passe de mágica, livraram os amigos do Partido de todos os crimes de corrupção.

Portanto, em 2019 a relutância do PS em combater a corrupção era a mesma que João Cravinho sentiu em 2006. Nada mudou.

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