(Continuação daqui)
9. A coisa
As conversas de Deltan Dallagnol - o procurador do Ministério Público brasileiro que chefiou a Operação Lava Jato - com os seus colegas acerca da Petrobras já tinham vindo a público em 2019 (cf. aqui). Mas esta semana fizeram de novo notícia depois de terem sido certificadas pela Polícia Federal (cf. aqui e aqui).
É uma história em que os procuradores do Ministério Público brasileiro, chefiados por Dellagnol, se conluiam com os seus colegas do Department of Justice americano para extorquirem a Petrobras - a petrolífera estatal brasileira - através de um multa milionária.
A Petrobras terá feito uns pagamentos a uns políticos brasileiros disfarçados de consultores da empresa. Dallagnol reconhece que, à luz da lei brasileira, a empresa não pode ser punida porque, segundo ele, a Petrobras não foi agente de corrupção mas vítima de corrupção.
Porém, como a empresa está cotada na Bolsa de Nova Iorque, Dallagnol pede aos procuradores do Department of Justice que vão atrás da Petrobrás sob o argumento de que esses pagamentos prejudicam os outros accionistas da empresa e violam as regras financeiras da Bolsa de Nova Iorque. Dallagnol compromete-se a fornecer aos americanos todas as informações que alegadamente possam comprometer a Petrobrás.
Ao mesmo tempo que organiza a operação de extorsão à Petrobras, Dallagnol e os americanos combinam a repartição do espólio, ficando assente que 80% do dinheiro que o Department of Justice vier a cobrar à Petrobras será entregue ao Brasil.
Neste ponto, vale a pena fazer o sumário do estratagema. O Ministério Público do Brasil conluia-se com o Departamento de Justiça americano para saquear uma empresa brasileira, que não cometeu nenhum crime à luz da lei brasileira, e, pelo caminho, reivindica 80% do saque.
Em breve, o aparato judicial americano, Department of Justice, FBI e a SEC (equivalente à CMVM portuguesa) cai sobre a sua presa. O caso nunca chega a tribunal porque a Petrobras, para se livrar da acusação, dos custos judiciais e do ónus sobre a sua imagem, aceita voluntariamente pagar uma multa de 853 milhões de dólares (cf. aqui).
Meses depois, 80% deste dinheiro, cerca de 700 milhões de dólares ou 600 milhões de euros, ascendendo a quase 4 mil milhões de reais, é transferido para o Brasil e depositado numa conta à ordem da 13ª Vara Federal de Curitiba, o tribunal de instrução criminal onde trabalha Dallagnol.
Ao mesmo tempo que arquitecta o esquema de extorsão com os americanos, Dallagnol discute com os colegas o destino a dar ao dinheiro. O destino legal seria entregá-lo ao Estado e contabilizá-lo no Orçamento, mas essa é uma possibilidade que Dallagnol rejeita liminarmente porque, diz ele, o dinheiro seria feito "em pó".
A discussão evolui então para um saco azul, que seria financiado através desse dinheiro, e que poderia ter várias utilizações possíveis, sendo que a preferida de Dallagnol era a de um saco azul destinado a combater a corrupção no Brasil. A preferência de Dallagnol, porém, não era inocente.
É que, enquanto discutia com os colegas a constituição do saco azul para combater a corrupção, financiado com o dinheiro vindo da América, Dallagnol é apanhado numa outra conversa a discutir com um colega a constituição de uma empresa de consultoria, em nome das respectivas mulheres, através da qual eles facturariam as conferências que iriam dar sobre a Operação Lava Jato (na qual se inclui o episódio da Petrobrás).
Quer dizer, uma parte do dinheiro vindo da América, às ordens do fundo arquitectado por Dallagnol, acabaria nos bolsos do próprio Dallagnol e dos seus colegas do Ministério Público como pagamento de conferências sobre corrupção.
O impacto internacional da notícia sobre a Petrobrás e os montantes envolvidos chamaram a atenção do governo brasileiro que frustrou os planos de Dallagnol. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a intervir e decidiu que o dinheiro extorquido à Petrobrás e recebido dos americanos seria usado para fins educacionais e para a conservação da Amazónia.
Desta vez, "a coisa" não passou, mas presume-se o que acontecerá em situações mais discretas e envolvendo menores montantes de dinheiro. E "a coisa" é que o dinheiro extorquido aos arguidos acaba, em parte, nos bolsos dos próprios procuradores do Ministério Público.
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