20 março 2021

Um grande bando de ladrões (14)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

 14. Um vírgula três por cento

Ninguém imagina a Polícia Judiciária, que é o verdadeiro órgão de investigação criminal do país, a pôr um anúncio no jornal ou na sua página de internet, dirigindo-se ao público a pedir a denúncia de crimes.

A razão é que a PJ investiga verdadeiros crimes, frequentemente crimes de sangue (v.g. homicídios), cuja investigação envolve um risco elevado para os próprios agentes da PJ. Além disso, tratando-se de verdadeiros crimes (homicídios, assaltos à mão armada, furtos), as pessoas possuem um incentivo natural a reportá-los à polícia, e não necessitam de anúncios a incentivá-las a tal denúncia.

Tudo é diferente nos "crimes" investigados pelo Ministério Público, os chamados crimes de papel - corrupção, prevaricação, abuso de poder, peculato, etc.. Aí não há sangue nenhum; os suspeitos apresentam-se obedientemente aos interrogatórios quando são convocados, frequentemente de fato e gravata; os procuradores do Ministério Público, não têm sequer de sair dos gabinetes. O Ministério Público, ao contrário da Polícia Judiciária, lida com criminosos civilizados.

Ora a figura do criminoso civilizado é uma figura civilizacional rara - rara no mundo inteiro, e não apenas em Portugal. Por isso, ao contrário da PJ, cujos agentes actuam mas só depois de lhes reportarem um crime, os procuradores do MP actuam antes de lhes reportarem um crime. Eles próprios andam à procura de crimes e de criminosos.

Daí a necessidade de apelarem ao público, através da publicidade, que chega a incluir outdoors, ou através das páginas de internet, para que o público lhes traga crimes e criminosos para eles conhecerem e, depois, investigarem. Quem não tem prazer em conhecer um grande banqueiro, um político popular, o presidente de uma grande empresa?

A caça de crimes e de criminosos através da internet tornou-se, aliás, o passatempo favorito dos procuradores do MP, a tal ponto que, ainda recentemente, a hierarquia teve de lhes cortar o acesso à internet durante as horas de trabalho, caso contrário eles não faziam mais nada senão procurar criminosos conhecidos através das redes sociais (cf. aqui).

Em relação ao caso a que me referi anteriormente, em que o Ministério Público, através do DCIAP, se dirige ao público na sua página da internet (cf. aqui), incentivando as pessoas a denunciarem crimes de corrupção, é altura de perguntar: "Qual a percentagem de denúncias que resultam em condenações?".

A resposta é um insignificante 1,3% (um vírgula três por cento, cf. aqui).

Quer dizer, em cada 100 pessoas que são denunciadas por corrupção ao Ministério Público, e investigadas pelo Ministério Público (devassa da vida privada, telefones sob escutas, leaks para a imprensa, seguimentos policiais, etc.), apenas uma é, de facto, corrupta. 

As outras 99 são vítimas de falsas denúncias e, portanto, do crime de denúncia caluniosa por parte de um adversário político, de um concorrente de negócios, de um adepto de outro clube ou de um rival amoroso. E todos estes criminosos - 99 em cada 100 denunciantes - têm a cumplicidade activa do Ministério Público, que devassa a vida das vítimas, e frequentemente a arruína, para gáudio dos criminosos.

A conclusão a tirar é inevitável. O Ministério Público não é uma instituição de justiça. O Ministério Público é muito mais - na acepção que o Papa Bento XVI deu à tese de S. Agostinho -, um verdadeiro bando de malfeitores.

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