20 março 2021

Um grande bando de ladrões (13)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

13. Denúncia anónima


O presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, queixou-se recentemente num artigo de opinião no jornal i da judicialização da política (cf. aqui).

Diz ele que, ao longo dos seus mandatos, tem sido constantemente alvo de processos judiciais, envolvendo-o a si e à Câmara, desencadeados por denúncias anónimas que ele atribui aos seus adversários políticos, e que acabam invariavelmente arquivados.

Não sem que os processos produzam danos reputacionais e outros à sua pessoa e à sua equipa na Câmara de Cascais, e, sobretudo, sem que os denunciantes - geralmente anónimos - alguma vez sejam punidos. 

Ele cita um caso de 2017, por altura das eleições autárquicas, e que entretanto foi arquivado (cf. aqui). Mais recentemente, a Câmara de Cascais tem sido alvo de notícias do mesmo género (cf. aqui) sem que, na opinião de Carlos Carreiras, exista maneira de pôr termo a esta situação.

Acusar falsamente uma pessoa é crime - o crime de denúncia caluniosa (cf. aqui). Mas para que uma denúncia caluniosa tenha seguimento e dê lugar às notícias que afectam a reputação e a credibilidade da vítima - às vezes, para sempre -, não basta, em Portugal, um criminoso. São necessários dois.

O primeiro criminoso é evidentemente aquele que acusa falsamente um seu adversário político, um concorrente nos negócios, um vizinho, ou o presidente do clube de futebol rival. Este criminoso está a cometer o crime de denúncia caluniosa.

Mas para que o crime produza dano sobre a vítima, dando lugar a notícias de que a vítima está a ser investigada pelos crimes por que foi denunciada, é necessário que o Ministério Público dê seguimento à denúncia e a deixe sair para os jornais - que é aquilo que normalmente acontece. 

Dois casos recentes mereceram ampla atenção mediática - a acusação produzida contra o presidente da Câmara Municipal do Porto e, mais recentemente ainda, contra o presidente do Governo Regional da Madeira. Trata-se de dois casos que, seguindo o padrão de muitos casos anteriores, correspondem tipicamente  a denúncias caluniosas visando afectar a credibilidade política dos visados.

A maior parte das pessoas, o único capital que possuem na vida é a sua credibilidade pessoal. De maneira que o crime de denúncia caluniosa, que tem o potencial para arruinar a vida da vítima, é um crime muito sério, cuja pena pode ir até três anos de prisão.

A maneira mais eficaz de prevenir este crime é, obviamente, exigir a identificação dos denunciantes para que, caso a denúncia prove falsa, a vítima possa reagir e processar o seu autor por denúncia caluniosa. 

Pelo contrário, permitir a denúncia anónima é abrir caminho aos criminosos para que destruam impunemente as vidas dos seus adversários políticos, dos seus concorrentes de negócios, ou dos seus vizinhos.

Pois é isto mesmo - não só permitir, mas encorajar a denúncia anónima - aquilo que faz o Ministério Público.

O Ministério Público possui o monopólio da acusação criminal no país. Nenhuma acusação tem seguimento criminal sem que o Ministério Público a valide. O Ministério Público é, portanto, o acusador oficial do país, e como se sabe, muitas das acusações criminais que produz são falsas.

Porém, os procuradores do Ministério Público gozam de um regime de imunidade, segundo o qual não respondem pelos crimes que cometem. São criminosos legais. E, portanto, também não respondem pelos crimes  de denúncia caluniosa que cometem rotineiramente sobre cidadãos inocentes.

Segue-se que acusar falsamente pessoas inocentes é um modo de vida absolutamente normal para os procuradores do Ministério Público. Não surpreende, por isso, que eles tendam a estender aos outros aquilo que é banal para eles, e convidem criminosos civis a juntarem-se a eles, como criminosos oficiais, para, em conjunto, cometerem o crime de denúncia caluniosa sobre vítimas inocentes.

Quem pretender acusar falsamente um adversário político, um concorrente de negócios, um adepto do clube rival não tem nada que se enganar. Vai à página da unidade terrorista do Ministério Público - o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (cf. aqui) - e encontra lá todas as informações necessárias para fazer uma denúncia anónima, associando-se ao Ministério Público no cometimento do crime de denúncia caluniosa. 

A página não só oferece campo aberto para qualquer criminoso dar cabo da vida da sua vítima, com a colaboração activa do Ministério Público, como o Ministério Público se compromete a manter o seu cúmplice perfeitamente informado sobre o processo de devassa e destruição da vida da vítima.

O que é que um vulgar criminoso pode desejar mais para, na maior impunidade, destruir a vida a um vizinho, a um político rival ou a um concorrente de negócios, do que poder denunciar anonimamente e ter a cumplicidade activa dos criminosos oficiais do Ministério Público?

Nada. 

O cardeal Ratzinger, retomando a tese de S. Agostinho, tem razão. Um Estado de onde desapareceu a justiça converte-se numa associação de malfeitores. O Ministério Público é o exemplo acabado.

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