06 fevereiro 2021

Um grande bando de ladrões (6)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

6. Ladrão que rouba a ladrão


Alexei Navalny, o conhecido opositor do presidente russo Putin, vai ser julgado por difamação (cf. aqui). 

Desde 2010 que o Conselho da Europa recomenda a países que vêm de regimes autoritários, como a Rússia e Portugal, que descriminalizem a difamação. A razão é que o "crime" de difamação é um dos instrumentos judiciais mais utilizados pelo poder político para perseguir os opositores.

A nossa civilização está, aliás, fundada sobre um homem, que também é Deus, que foi injustamente acusado, condenado e morto pelo "crime" de difamação (blasfémia é a difamação de Deus).

Em Portugal, em cada ano que passa, o Estado é condenado várias vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação do direito à liberdade de expressão dos seus cidadãos, isto é, por os tribunais portugueses terem condenado os seus cidadãos por difamação. Na Rússia, o número de condenações do TEDH pela mesma razão é muito maior.

Numa Europa de influência cristã e de valores democráticos todas as razões convergem para descriminalizar a difamação, à semelhança do que acontece nos países europeus com uma longa tradição democrática, onde há muito a difamação deixou de ser crime.

Toda a argumentação racional aponta, portanto, para que a difamação em Portugal deixe de ser crime também. Toda a argumentação racional - diga-se - de uma pessoa de bem porque se fôr a argumentação racional de um bando de ladrões ela aponta é para que o status quo seja mantido, isto é, para que a difamação continue a ser crime.

As coisas passam-se assim. A pronuncia-se em público sobre B, o qual se declara ofendido com as palavras de A. No seguimento, B põe um processo-crime por difamação contra A, que é validado pelo Ministério Público, pedindo também uma indemnização a A para se ressarcir das "ofensas". A pena pode ir até três anos de prisão, para além da indemnização. 

Seguindo a tradição judicial herdada do Estado Novo e da Inquisição que ainda largamente vigora em Portugal, os tribunais condenam A que, para além da pena (geralmente de multa, mas que pode ser de prisão), é obrigado a pagar uma indemnização a B.

Em seguida, A recorre para o TEDH o qual, à luz do artigo 10º da CEDH, considera que A não cometeu crime nenhum, que apenas exerceu o seu direito à liberdade de expressão e que, por isso, foi injustamente condenado pelos tribunais portugueses. O TEDH condena, então, o Estado português a indemnizar A pelo valor da indemnização que ele pagou a B e demais custos que teve com todo o processo (advogados, custas judiciais, etc.).

No fim, B fica com o dinheiro que A lhe pagou e quem vai ressarcir A são os contribuintes. Quer dizer, B enriqueceu ilegitimamente à custa dos contribuintes portugueses. 

Trata-se de um enriquecimento ilegítimo não só porque sobre B  não foi cometido crime nenhum, mas sobretudo porque os contribuintes portugueses, esses, é que de certeza não lhe fizeram mal nenhum. Para todos os efeitos práticos, o processo acaba num roubo de B ao povo português.

Estamos no cerne da tese de S. Agostinho, segundo a qual um Estado que não se reja segundo os princípios de justiça se converte num bando de ladrões. Na realidade, tendo os tribunais nacionais recusado fazer justiça, absolvendo A (ou tendo o Estado português recusado descriminalizar a difamação), os autores dos processos por difamação, como B,  acabam a constituir um bando de ladrões que rouba os contribuintes.

Portanto, manter a criminalização da difamação faz todo o sentido à luz da racionalidade de uma quadrilha de ladrões, como aquela de que B faz parte, porque permite aos membros da quadrilha enriquecer ilegitimamente, que é isso que todo o bando de ladrões ambiciona conseguir. 

Fica apenas por saber quem são os membros da quadrilha, os B's que enriquecem ilegitimamente à custa do povo. 

São, sobretudo, como era de esperar, agentes do Estado, insiders do sistema de justiça, com prevalência de juízes e políticos (que na maioria são também advogados), porque são estes que mais facilmente manipulam por dentro o sistema de justiça a fim de obterem sentenças condenatórias nos tribunais nacionais.

Exemplos: um primeiro-ministro (cf. aqui), um presidente do Supremo Tribunal de Justiça (cf. aqui), um eurodeputado (cf. aqui), uma juíza-desembargadora (cf. aqui),...

Segundo a informação disponível na internet, a minha convicção é a de que o campeão dos processos por difamação em Portugal, e a pessoa que mais tem enriquecido por virtude deles,  é um juiz-desembargador que até chegou a comprar um avião pessoal (o qual lhe serviu para pôr mais um processo pedindo uma indemnização ao presidente Câmara por não o deixar estacionar o avião no aeródromo da cidade).

Este juiz desembargador tem a particularidade de fazer o dois em um porque é juiz e ao mesmo tempo político, já tendo sido candidato pelo PS à Câmara Municipal da sua cidade natal.

Curiosamente, é este juiz-desembargador que mais processos por difamação põe em tribunal, e onde chega a pedir indemnizações de um milhão de euros,  que agora está a ser alvo, ele próprio, de um processo por difamação. 

O feitiço virou-se contra o feiticeiro. E - imagine-se -, quem o acusa é uma sua colega juíza (cf. aqui).

É caso para dizer: "Ladrão que rouba a ladrão..."

(Continua)

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