31 janeiro 2021

Um grande bando de ladrões (5)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

5. Duas vezes

Naquela parte da Encíclica Deus Caritas Est (2005) em que cita S. Agostinho, o Papa Bento XVI detém-se a falar sobre a relação entre a justiça e a política. 

"A justa ordem da sociedade e do Estado - escreve ele - é dever central da política" e, mais adiante, acrescenta: "A justiça é o objectivo e, também, consequentemente, a medida  intrínseca de toda a política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objectivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética" (cf. aqui: 28).

Quer dizer, a justiça é o objectivo da política e, por isso mesmo, a política deve ser avaliada por critérios de justiça. O Papa não se refere aqui à justiça dos tribunais - embora essa também seja importante - mas à justiça social, ao ordenamento da sociedade de maneira tal que as pessoas possam olhar para o lado e ver merecimento na sua condição e na dos outros. 

Salazar, na citação que fiz em baixo (cf. aqui), não acreditava que a preferência dos portugueses pelo socialismo resultasse de qualquer intuito altruísta. Pelo contrário, ele acreditava que aquilo que lhe estava na base era um motivo interesseiro, próprio de quem gosta de viver comodamente, sem grandes esforços e sem grandes inquietações. O Estado paga sempre, assegura o emprego e o patrão nunca está por perto.

No período de crise que o país atravessa desde março do ano passado quando foi declarado o primeiro estado de emergência que centenas de milhar de portugueses, senão mesmo milhões, têm estado sujeitos a grandes inquietações - as inquietações associadas à perda dos seus empregos e à ruína dos seus pequenos negócios. Estima-se que a economia e os rendimentos estejam a cair à taxa de cerca de 10% ao ano.

Existe uma medida de justiça para remunerar os funcionários públicos, que é aumentá-los à mesma taxa do crescimento da riqueza (PIB) no país. Nas últimas décadas, esta medida tem sido largamente excedida a seu favor, de tal maneira que hoje os funcionários públicos, que são os servidores do povo, ganham cerca de 30% mais do que o povo. 

Esta situação de injustiça já seria notória, se não se tivesse convertido num escândalo nos últimos meses. Enquanto os rendimentos do povo  caem ao ritmo de 10% ao ano, e muitos portugueses perdem o emprego e os seus pequenos negócios, os funcionários públicos já foram aumentados duas vezes desde que a pandemia começou - em Maio (cf. aqui) e agora em Janeiro (cf. aqui).

A política, em Portugal, perdeu qualquer sentido de justiça. E foi a este propósito que o Papa Bento XVI citou S. Agostinho. Quando assim é, o Estado converte-se num grande bando de ladrões.

Enquanto o povo empobrece, os seus servidores prosperam.

(Continua)

Sem comentários: