29 janeiro 2021

Um grande bando de ladrões (3)

 (Continuação daqui)

"Um Estado que não se regesse
 segundo a justiça, reduzir-se-ia
 a um grande bando de ladrões."
S. Agostinho

3. Até de vacinas



Eu não tenciono vacinar-me contra o covid19. A razão é que não tenho medo nenhum do covid. Se um dia vier a contrair covid e a morrer dele, ninguém deve ter pena de mim - vivi e morri de acordo com as minhas convicções. Embora eu acredite vivamente que não vou morrer por esta causa.

Acontece, porém, que eu pertenço ao grupo de grande risco, logo a seguir aos profissionais de saúde (cf. aqui). Tenho mais de 50 anos e, segundo os médicos, sofro de doença coronária. 

Nasci com muito colesterol no sangue e, há cerca de dois anos, tive um acidente cardíaco que me levou a uma operação de emergência (by-pass coronário). A partir daí, e contra  a minha vontade, fiquei catalogado no SNS como sofrendo de doença coronária crónica, embora eu me sinta bastante saudável.

(Existe um médico, que me é próximo, e que se diverte muito com esta minha afirmação. Ele não acredita que um homem que tem uma cicatriz de quase 20 centímetros a meio do peito se possa sentir muito saudável. E diz que eu lhe faço lembrar aquele galifão que apanhou um tiro no peito e disse para aqueles que estavam em seu redor: "Sinto apenas uma ligeira dificuldade em respirar...". Foram as suas últimas palavras antes de morrer).

Quando o Governo anunciou que, depois dos profissionais de saúde, a partir de Fevereiro seriam vacinadas as pessoas do grupo a que eu pertenço - mais de 50 anos e certas patologias de risco - eu reagi com indiferença, e fiquei à espera de ser contactado pelo Centro de Saúde da minha residência para recusar a vacina.

Até hoje ainda não fui contactado e o mês de Fevereiro está mesmo aí à porta. Mas, esta semana, a vacina deixou de ser indiferente para mim quando tomei conhecimento de um Despacho da Presidência do Conselho de Ministros (cf. aqui

Este Despacho dá prioridade de vacinação a ministros, deputados, provedora da justiça, juízes, presidentes de câmara, magistrados do ministério público e ao pessoal que trabalha nesses serviços. Todos estes funcionários do Estado já foram contactados e prevê-se que sejam vacinados na próxima semana (cf. aqui).

Eu não pretendo ser vacinado, mas existirão certamente muitos milhares de portugueses no grupo prioritário a que eu pertenço que estão desejosos de serem vacinados e muitos deles em pânico até serem vacinados - e que, tal como eu, ainda nem sequer foram contactados, quanto mais alimentarem a esperança de serem vacinados para a semana.

Imaginar estas pessoas, muitas delas com muita idade e muito frágeis, a serem ultrapassadas por ministros e pessoal dos ministérios, juízes e pessoal dos tribunais, deputados e pessoal da Assembleia da República, presidentes de câmara e seu pessoal, magistrados do Ministério Público e pessoal dos DIAP's, fez-me saltar da cadeira.

Na realidade, foi este Despacho do Governo que me levou directamente à frase de S. Agostinho que serve de mote a esta série de posts, e que acabaria por me fazer compreender como se passam as coisas hoje em Portugal em tudo o que se refere ao Estado.

No caso da vacinação, é assim:

O stock disponível de vacinas é limitado. Uma certa quantidade estava reservada para o grupo prioritário a que eu pertenço - pessoas  com mais de 50 anos e com certas patologias de risco. Os abutres do Estado apareceram e decidiram deitar a mão a estas vacinas.

"Vacinas podem ser alvo de organizações criminosas", noticiava recentemente um jornal (cf. aqui). Claro que podem. E, num Estado de Direito, as piores organizações criminosas são as legais, aquelas que agem por força da lei, como é um Despacho da Presidência do Conselho de Ministros.

Santo Agostinho tinha razão. Um Estado, do qual desapareceu o sentido de justiça, converte-se num grande bando de ladrões.

Até de vacinas.


(Continua)

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