17 janeiro 2021

Mestres da Lei

 



O episódio da prisão de José Sócrates em Novembro de 2014 teve um grande significado para mim em mais do que um aspecto.

Primeiro, alertou-me que a mais infeliz das tradições portuguesas - a tradição inquisitorial - não tinha morrido com a democracia e estava aí, pronta a renascer com todo o vigor, como os anos seguintes até ao presente vieram confirmar.

Segundo, e muito mais importante, tratava-se de um teste decisivo à democracia em Portugal. Se era verdade que José Sócrates era um criminoso (algo que, passados mais de seis anos sobre a sua prisão, ainda está por provar), então os portugueses eram indignos de viver em democracia. E a imagem externa que passavam era arrasadora.

É que os portugueses elegeram duas vezes José Sócrates para primeiro-ministro, uma delas com maioria absoluta. A ser verdade que ele era um criminoso, a lição a tirar é que os portugueses não sabiam escolher governantes e mereciam que alguém escolhesse os governantes por eles.

Por outras palavras, a ser isso verdade, o que os portugueses mereciam era uma ditadura.

A menos que, tendo os portugueses vindo de uma ditadura há cerca de uma geração, algo estivesse mal ainda com as suas instituições e, em particular, com o seu sistema de justiça. E, de facto, eu fui encontrar o mal no seu sistema de justiça penal, que permanecia inquisitorial ou "fascista".

Optei pela democracia e, nas semanas que se seguiram, arrasei o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre aos écrans do Porto Canal, em defesa do cidadão José Sócrates - um político por cujas ideias eu nunca tive consideração - e de um sistema de justiça democrático (cf. aqui).

Fiquei atento a Marcelo Rebelo de Sousa que, nessa altura, comentava numa estação de grande divulgação. Em breve, cheguei à conclusão que ele tinha optado pelo sistema de justiça inquisitorial, em detrimento da democracia.

No fim de contas, como Professor de Direito, era ele que contribuía para manter esse sistema de pé.  Alguns dos algozes que meteram arbitrariamente José Sócrates na cadeia, e muitos outros que hoje andam por aí, foram seus alunos. Eles representam a sua herança intelectual.

Aquilo que pensei na altura é que dois mil anos depois, os fariseus estavam de volta, sempre na mesma condição de Mestres da Lei. 

Da prisão de Évora, José Sócrates chamou-lhes cínicos (cf. aqui). Cristo teria utilizado um termo ligeiramente diferente: cf. aqui.

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