17 janeiro 2021

Professor de Direito


No post anterior, referi-me ao episódio da prisão de José Sócrates em Novembro de 2014 que, para mim, constitui também um episódio paradigmático na vida pública de Marcelo Rebelo de Sousa.

Suponha que o Ministério Público o acusa de um crime grave (v.g., corrupção) de que você está inocente (como tantas vezes o MP faz a milhares de pessoas espalhadas por esses país fora).

Você é chamado ao MP para prestar declarações e o MP pede ao juiz de instrução (que normalmente é seu colega de trabalho ou ele próprio veio do MP, antes de ser juiz) que o mande prender preventivamente, sob o argumento de que a sua liberdade pode perturbar o inquérito criminal.

Por outras palavras, você vai para a prisão para que o MP possa trabalhar à vontade a devassar-lhe a vida para averiguar se você cometeu ou não um crime. Você vai para a prisão para que não se possa defender da acusação do MP.

O perigo de perturbação do inquérito é uma das três razões que a lei prevê para se pôr um cidadão em prisão preventiva. As outras são o perigo de fuga e o perigo de continuação da actividade criminosa.

Estas duas razões são compreensíveis. Se uma pessoa for apanhada a assaltar um banco, fica em prisão preventiva até ser julgada porque existe, de facto, o perigo de continuar a assaltar bancos e de fugir.

Agora, uma pessoa ir para a prisão para que os acusadores do MP possam trabalhar à vontade e ela não se possa defender, não cabe na cabeça de ninguém. Permite prender arbitrariamente qualquer pessoa, violando o mais elementar direito individual numa sociedade livre e democrática, que é o direito à liberdade. 

Pois o Código do Processo Penal português  - que é a bíblia dos novos inquisidores e dos modernos pides -, nos termos do seu artº 204º (cf. aqui) permite que se ponha uma pessoa na prisão por esta razão - perigo de perturbação do inquérito. 

É mais uma grandiosa manifestação da falta de imparcialidade ou equidade do sistema de justiça penal português. É um plano inclinado contra o réu que permite pôr na cadeia qualquer pessoa inocente.

Foi por esta razão que José Sócrates foi posto na prisão (cf. aqui). 

Passados seis anos, não se sabe ainda se ele vai sequer a julgamento, quanto mais se cometeu algum crime.  Porém, prisão ele já teve e a carreira política desfeita também.

Este episódio revelou a Inquisição em Portugal no seu melhor, apesar de Portugal se proclamar hoje um Estado livre e democrático.

Pois o comentador Marcelo Rebelo de Sousa,  o Professor de Direito, não teceu uma crítica - uma crítica sequer - à violenta injustiça de que estava a ser vítima o seu adversário político e ao carácter inquisitorial e anti-democrático das leis e dos algozes que o puseram na prisão.

Que, pouco depois, o Professor de Direito Marcelo Rebelo de Sousa se tenha tornado Presidente da República, e que a Justiça em Portugal se encontre no estado em que está, não deve surpreender ninguém.  

Sem comentários: