19 dezembro 2020

o ganha-pão

No seguimento do despacho da juíza Rangel, a que fiz referência no post anterior (cf. aqui), que indefere o meu pedido de acesso ao Plenário do Tribunal Constitucional, qual é a situação actual - a minha e a dos guardas da GNR?

Existe um ponto comum de partida. Ambos fomos absolvidos de alegados crimes de ofensas em primeira instância (eles ao juiz Neto de Moura, eu ao eurodeputado do PSD, Paulo Rangel). E ambos fomos condenados por estes crimes na Relação, eles na de Lisboa, eu na do Porto. Em ambos os casos, as penas são de multa (para além de indemnizações aos "ofendidos"). 

Começo pela situação dos guardas. 

O acórdão 31/2020 da 2ª Secção do Tribunal Constitucional permite-lhes recorrer para o Supremo da decisão da Relação.

O Ministério Público recorreu deste acórdão para o Plenário do TC.

Quando o Plenário reunir, ou revoga o acórdão 31/2020 e dá o dito-por-não-dito aos guardas (afinal, não podem recorrer para o Supremo), ou confirma este acórdão e a decisão de eles poderem recorrer para o Supremo (onde é praticamente certo que serão absolvidos porque o Supremo tem seguido a jurisprudência do TEDH nestas matérias).

Portanto, para os guardas da GNR está de pé a possibilidade de recorrerem para o Supremo e serem absolvidos da condenação que lhes foi imposta na Relação.

Quanto a mim é que essa possibilidade já não existe.

O acórdão 646/2020 da 3ª Secção do TC, de que é relatora a juíza Rangel,  nega-me o direito a recorrer para o Supremo  (um direito que o acórdão 31/2020 reconhece aos guardas).

E, tendo eu recorrido desse acórdão para o Plenário, no despacho referido em baixo, a juíza Rangel indefere-me esse recurso.

Portanto, para mim está fechada a possibilidade de recorrer para o Supremo (excepto se o TC atender uma reclamação que, entretanto, já lhe terá chegado e a que farei referência noutro post).

Em suma, em princípio, eu vou ter de cumprir a pena que me foi fixada na Relação (cf. aqui).

A questão a que pretendo responder neste post é a seguinte: Por que é que o Tribunal Constitucional dá aos guardas da GNR aquilo que me nega a mim - o direito ao recurso [para o Supremo] previsto no artº 32º da Constituição?

A resposta é muito simples. Porque o Tribunal Constitucional é um tribunal político e não um tribunal de justiça (e em que a juíza Rangel, que não é juíza nenhuma, é o exemplo acabado dos comissários políticos que os partidos nomeiam para o TC, cf. aqui).

O Comando da GNR ficou muito zangado com a pena que o Tribunal da Relação de Lisboa impôs aos seus homens no verão de 2019 e prometeu protestar energicamente junto das autoridades "judiciais e da tutela" (sic, cf. aqui).

Portanto, o Comando da GNR terá feito saber ao Governo, ao presidente do Conselho Superior da Magistratura e ao presidente do Tribunal Constitucional o seu profundo desagrado por os seus homens estarem condenados por cumprirem a sua missão que, era, no caso, a de multar um automobilista em transgressão.

Toda a máquina do sistema (PS/PSD) se terá começado a movimentar no sentido de resolver o problema dos guardas, porque nenhum sistema gosta de ter as forças policiais iradas contra si, ainda por cima com razão. 

Não é surpreendente, por isso, que o acórdão 31/2020 tenha tido a intervenção pessoal do presidente do TC, que salvou o acórdão com o seu voto de qualidade, e tenha tido como relatora uma juíza nomeada para o TC pelo partido do Governo (cf. aqui).

O meu caso é radicalmente diferente. Eu fiz parecer mal o sistema (PS/PSD) que governa o país há mais de quarenta anos e pus em causa o ganha-pão dos dois partidos que o representam, que são as grandes obras públicas. 

Na qualidade de presidente da Associação Joãozinho, comecei a fazer por via mecenática uma obra - que o sistema mais tarde viria a boicotar - que, há anos, o sistema deveria ter feito e não fez - dar às crianças internadas no segundo maior hospital do país condições dignas de internamento, substituindo os barracões metálicos onde o sistema as mantinha internadas há anos, frequentemente expostas ao frio, à chuva e a até a pragas de moscas (cf. aqui).

E tendo sido aproximado, para me "ajudar", pelo escritório do Porto da sociedade de advogados Cuatrecasas, que era, na altura, uma célula do PSD - partido que, então, estava no poder -, chefiada pelo eurodeputado Paulo Rangel, tornei imediatamente claro que não pagaria nada a ninguém que não fosse estrita e directamente relacionado com a construção do hospital pediátrico. Todo o trabalho profissional necessário à preparação e acompanhamento da obra seria bem-vindo mas teria de ser feito a título mecenático. 

Se a moda pegasse, se a sociedade civil começasse a fazer aquilo que é preciso fazer, e que o sistema não faz, para que é que o sistema seria preciso? E onde é que os partidos do sistema iam buscar o dinheiro para se perpetuarem no poder se as obras públicas passassem a ser feitas por associações mecenáticas?

(Enquanto a Associação Joãozinho esteve à frente da obra, o orçamento previsto era de 20 milhões de euros. Agora, já vai em 27 milhões (cf. aqui))

Para o sistema, eu passei a ser um inimigo a abater.

Esta é a primeira razão e a razão principal. A outra decorre desta e é o exercício que faço do direito à liberdade de expressão no blogue Portugal Contemporâneo. O sistema - e, em particular, o corrupto sistema de justiça que o sistema controla - não estava habituado.

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