(Continuação daqui)
VII. Um súbdito
Pois se alguém pensava - como parece ter sido o caso dos jornalistas que reportaram sobre o assunto e do público que os lê - que, pelo acórdão 31/2020 de 16 de Janeiro, o Tribunal Constitucional tinha garantido aos guardas da GNR o direito ao recurso, que se desengane.
O Tribunal Constitucional, na tese dramática do economista Ludwig von Mises, não existe para garantir direitos (constitucionais). Existe para os suprimir.
Neste momento a possibilidade está de pé de que a questão à qual o Tribunal Constitucional respondeu que Sim aos guardas da GNR - que podem recorrer para o Supremo da decisão da Relação - em breve o mesmo Tribunal Constitucional lhes venha dizer que Não.
Esta capacidade para dizer Não àquilo que antes tinha dito que Sim é o atributo típico do trapaceiro e, na realidade, quem se dedicar a pessoalizar o Tribunal Constitucional vai encontrar nele a figura perfeita do trapaceiro. Não é surpreendente. O Tribunal Constitucional é um tribunal político e essa é a imagem que os portugueses têm da maior parte dos seus políticos.
No caso do Plenário do Tribunal Constitucional, reunindo os seus 13 juízes, vir a confirmar a decisão de 2ª Secção (acórdão 31/2020), e somente neste caso, é que o guardas da GNR vão poder recorrer para o Supremo.
Caso contrário, caso o Plenário venha a revogar o acórdão da 2ª Secção, os guardas da GNR vão ter de cumprir a pena que lhes foi fixada na Relação de Lisboa - pagamento de um multa de 2360 euros e de uma indemnização de oito mil euros ao juiz que conduzia um carro sem matrícula em Loures no ano de 2011, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, e ainda custas judiciais.
(Entretanto, os guardas já devem ter apresentado queixa contra o Estado português no TEDH, onde o processo só começa a correr após esgotados todos os recursos nos tribunais nacionais. A queixa terá sido apresentada até seis meses após a decisão da Relação, que ocorreu no verão de 2019).
E quanto ao senhor A?
O senhor A está em bastante pior situação do que os guardas da GNR. Depois de o acórdão 646/2020 da 3ª Secção lhe ter negado o direito a recorrer para o Supremo, o senhor A recorreu para o Plenário do Tribunal Constitucional argumentando com a diferente jurisprudência desse acórdão face ao acórdão 31/2020 da 2ª Secção que se aplicava aos guardas. O senhor A pretendia que o Plenário homogeneizasse a jurisprudência, já que a 2ª Secção tinha dito Sim aos guardas e a 3ª Não ao senhor A sobre a mesma questão de direito.
A resposta do Tribunal Constitucional ao senhor A veio rápida (em pouco mais de duas semanas) e fulminante pela mão da mesma juíza-relatora: Recurso negado.
A razão: o acórdão 31/2020, relativo aos guardas da GNR, ainda não tinha transitado em julgado, estando, ele próprio, em processo de recurso para o Plenário. Portanto, a decisão nele contida - a de permitir aos guardas da GNR o direito ao recurso para o Supremo - ainda não era válida. Em consequência, não se podia dizer que, entre os acórdãos 31/2020 (que dizia Sim ao guardas) e 646/2020 (que dizia Não ao senhor A, sobre a mesma questão de direito) houvesse uma oposição de jurisprudência.
A fundamentação é digna de um perfeito trapaceiro.
O senhor A vai ter de cumprir a pena que lhe foi fixada na Relação (entretanto já apresentou queixa no TEDH em Setembro de 2019, onde o processo começará entretanto a correr).
Excepto se... excepto se... o Tribunal Constitucional, que até aqui rejeitou todos os requerimentos do senhor A, que foram três, atender o quarto. Dentro de dias dará entrada no Tribunal Constitucional um derradeiro requerimento do senhor A que é, na realidade, uma súplica. (Nos termos do artº 35º da CEDH, o senhor A tem de esgotar todos os recursos para que o processo possa correr no TEDH).
O senhor A pede ao Tribunal Constitucional a suspensão da instância. Quer dizer, o senhor A pede que a decisão do acórdão 646/2020 que lhe nega o direito a recorrer para o Supremo fique suspensa até que o Plenário do Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o acórdão 31/2020 relativo aos guardas da GNR.
A esperança do senhor A é que, sendo atendido o pedido, e caso o Plenário do Tribunal Constitucional confirme e decisão da 2ª Secção de garantir aos guardas da GNR o direito a recorrerem para o Supremo, ele possa ir à boleia e lhe seja finalmente reconhecido o direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição.
Mas nesta fase, o senhor A já não é um cidadão de uma democracia que exige de um tribunal o cumprimento dos seus direitos fundamentais de cidadania. O senhor A passou a ser um súbdito que suplica ao poder político - que é isso que o Tribunal Constitucional representa - que se digne conceder-lhe uma mercê.
(Fim)
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