Tendo sido acusado pelo Ministério Público de um crime de prevaricação previsto no artº 369º do Código Penal (cf. aqui), que pode implicar uma pena até 5 anos de prisão, o Presidente Rui Moreira afirmou já à comunicação social que vai pedir a abertura da instrução (cf. aqui).
A abertura de instrução é um procedimento do processo penal português em que o arguido comparece perante um juiz de instrução para procurar provar a sua inocência e evitar que o assunto vá a julgamento. Tem lugar num tribunal de instrução criminal.
Convém referir que, na linguagem orwelliana da justiça portuguesa, as palavras têm um significado que é exactamente o oposto do seu significado corrente. Assim, a abertura da instrução não significa o início da fase de instrução, mas sim a sua conclusão.
Quando a acusação é produzida, como aconteceu agora, o processo já foi instruído pelo Ministério Público e, ao que parece, demorou anos a ser instruído porque os factos em que assenta o alegado crime de prevaricação ocorreram em 2014. A abertura de instrução, ao contrário do que a expressão sugere, é, portanto, o passo final da fase de instrução, antes de o processo ir para julgamento.
É a fase de instrução que distingue os sistemas inquisitoriais de justiça, como o nosso, dos sistemas democráticos como, por exemplo, o britânico. Nestes, não existe fase de instrução - nem juízes de instrução, nem tribunais de instrução. Uma pessoa suspeita de um crime é apanhada pela polícia e imediatamente presente a um juiz.
Então e o juiz de instrução, perante quem o Presidente Rui Moreira vai comparecer para justificar a sua inocência, não é um juiz?
Não. Mais uma vez é preciso ter em conta o carácter orwelliano da justiça portuguesa onde as palavras têm um significado que é exactamente oposto ao seu significado corrente.
Não, o juiz de instrução não é um juiz porque lhe falta o atributo principal de um juiz - a imparcialidade. O juiz de instrução é um acusador, na realidade o chefe dos acusadores, por assim dizer, o acusador-mor.
O juiz de instrução (que corresponde à figura antiga do juiz do tribunal do santo ofício) é quem dirige a investigação criminal trabalhando lado-a-lado com os acusadores (magistrados do MP, antigamente chamados inquisidores). É ele que autoriza e certifica as diligências de investigação.
Assim, por exemplo, se o Presidente Rui Moreira foi posto sob escuta telefónica - o que é mais do que provável porque os inquisidores o que querem, no fim, é devassar-lhe a vida para saber com quem ele dorme, quem são os seus aliados políticos, quais os segredos dos seus negócios pessoais - foi um juiz de instrução que autorizou essa diligência.
Mas se o juiz de instrução foi o chefe da acusação produzida contra ele, e que agora é pública, quais são as probabilidades de o Presidente Rui Moreira o convencer da sua inocência?
Praticamente nenhumas.
No meu case study (cf. aqui), também requeri a abertura de instrução e compareci perante um juiz de instrução. Era uma mulher.
Lembro-me perfeitamente de lhe ter visto um bonito anel no dedo, a tal ponto que deixei o acontecimento registado neste blogue (cf. aqui). Só passados dias, porém, quando ela confirmou a acusação, é que me dei conta que na cabeça é que não lhe tinha visto nada.
Enquanto existirem no sistema de justiça português as figuras do juiz de instrução (juiz do tribunal do santo ofício), do Tribunal de Instrução criminal (Tribunal do Santo Ofício), do Ministério Publico na sua configuração actual (Inquisição) e do Código do Processo Penal (Regimento Inquisitorial) a democracia em Portugal está em risco.
Como o Presidente da segunda maior cidade do país vai agora perceber. Se ele julga que vive num Estado de Direito - "É um processo indigno de um Estado de Direito", diz ele, cf. aqui - está redondamente enganado. É mera linguagem orwelliana. A realidade é exactamente ao contrário.
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