08 novembro 2020

Um juiz à solta (IX)

 (Continuação daqui)

Especialista em prostituição


IX. O dinheiro

O juiz Pedro Vaz Patto é presidente da Assembleia Geral da Associação "O Ninho", uma associação que se dedica a proteger mulheres da prostituição (cf. aqui).

Na esteira da sua guru, Chiara Lubich, a fundadora do Movimento dos Focolares ou Obra de Maria, a política é, para o juiz Vaz Patto, "o amor dos amores".

O dia 17 de Novembro de 2017, vai agora fazer três anos, deve ter sido para o juiz Vaz Patto um dos dias mais felizes da sua vida. Na  conferência comemorativa do 50º aniversário da Associação "O Ninho", ele estava rodeado de políticos (cf. aqui).

Eram políticos conferencistas, eram políticos para abrir e fechar a conferência, eram políticos e familiares de políticos na Comissão de Honra. Naquilo que, à primeira vista, pode parecer um verdadeiro milagre, o juiz Vaz Patto e a sua Associação conseguiram juntar num dia aquilo que a democracia, desde há séculos, manda separar.

A democracia manda separar os partidos mas, nesse dia, todos os partidos estiveram juntos na Associação "O Ninho". A democracia manda separar o Estado e a Igreja mas nesse dia o Estado e a Igreja estiveram juntos na Associação "O Ninho", representados ao mais alto nível. A democracia manda separar os três poderes do Estado - o legislativo, o executivo e o judicial -, mas, nesse dia todos eles se juntaram na Associação "O Ninho" com o juiz Vaz Patto a representar solitariamente o poder judicial.

Solitariamente porque mais nenhum juiz, ciente da sua função, aceitaria apresentar-se em público em tal companhia. 

O juiz Vaz Patto também aparece como conferencista  no painel consagrado aos especialistas. Porém, à distância de três anos, não é possível apurar que tipo de formação conferiu ao juiz Vaz Patto a qualidade de especialista em prostituição, nem se essa formação constou somente de aulas teóricas ou se também envolveu aulas práticas.

O milagre de juntar tudo aquilo que a democracia manda separar não é um milagre menor pelo que é legítimo inquirir qual o motivo ou argamassa que juntou n' "O Ninho" tudo aquilo que a democracia manda separar. E, ao procurar a resposta, o primeiro aspecto que salta à vista é que numa conferência destinada a debater a prostituição está presente uma profusão de políticos mas nenhuma prostituta.

O que é que os políticos  - incluindo o político Vaz Patto - saberão de prostituição que as prostitutas não sabem? Haverá medo de ouvir as prostitutas? Que problemas da prostituição vão os políticos debater sem que se tenha dado às prostitutas a possibilidade de os apresentar?

A ausência de prostitutas nos painéis de conferencistas ou na Comissão de Honra é o aspecto mais misterioso da conferência sobre prostituição organizada em Lisboa pela Associação "O Ninho" para comemorar os seus 50 anos de actividade. E contrasta directamente com a experiência que o próprio juiz Vaz Patto reporta ter vivido em Mainz, na Alemanha, onde as prostitutas foram chamadas a dizer de sua justiça e a expor os problemas da sua actividade (cf. aqui).

A conclusão é que não foram certamente as prostitutas a preocupação que levou à organização da conferência em Lisboa e a juntar tudo aquilo que a democracia manda separar - os partidos uns dos outros, o Estado da Igreja, os três poderes do Estado. Porque, se fosse, elas teriam sido chamadas a expor os seus problemas para debate. Pelo contrário, aquilo que salta à vista na conferência é a abundância de políticos e a escassez de prostitutas.

Mas se não foram as prostitutas que juntaram tudo aquilo que a democracia manda separar, se não foram elas a argamassa deste milagre, então o que foi?

Foi o dinheiro.

A Associação "O Ninho" tem um orçamento anual de cerca de meio milhão de euros que é financiado quase exclusivamente por subsídios do Estado. A Associação tem cerca de uma dezena de colaboradores cujos salários levam dois terços deste orçamento. A Associação tem de financiar as idas ao estrangeiro dos seus colaboradores, como o especialista Vaz Patto. 

A Associação "O Ninho" precisa, portanto, de fazer lobbying junto dos políticos para que todos os anos eles assinem um cheque de meio milhão de euros, sem os quais há muito a Associação teria fechado portas.

A questão que evidentemente se põe é como é que amanhã o juiz Vaz Patto vai julgar um caso entre um destes políticos e um cidadão comum, por exemplo,  um mero conflito de condomínio entre o primeiro-ministro António Costa, que foi convidado para encerrar a conferência, e o seu vizinho José da Silva.

A resposta parece mais ou menos óbvia. Ele que decida a favor do cidadão José da Silva e vai ver como no mês seguinte se acabam os subsídios do Estado à Associação "O Ninho", acabando a Associação e acabando também as idas ao estrangeiro do especialista em prostituição Pedro Vaz Patto. 

Não é um grande mal. Em lugar de ir a conferências ao estrangeiro ou a Lisboa, o juiz Vaz Patto talvez decida ficar no Porto e se digne comparecer ao trabalho no Tribunal da Relação que é para isso que os portugueses lhe pagam.

(Continua)

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