I. Um país do vinho e das mulheres
Agostinho Branquinho, ex-deputado e ex-vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Fernando Melo, seu companheiro de partido e ex-presidente da Câmara de Valongo, e mais oito pessoas foram esta semana acusados pelo Ministério Público do Porto.
Os crimes alegados pelo Ministério Público remontam ao período 2003-2007 em que Branquinho terá andado a meter cunhas a torto e a direito para o licenciamento de um hospital privado em Valongo - o Hospital de S. Martinho -, pelas quais terá recebido 225 mil euros do empresário promotor do projecto, Joaquim Teixeira.
É claro que meter cunhas faz parte da tradição católica do povo português. Ao contrário da tradição protestante - agora chamada dos países frugais - em que o crente se dirige directamente a Deus, na tradição católica - agora chamada dos países do vinho e das mulheres - o crente dirige-se à Virgem Maria ou a um santo para que este interceda em seu nome junto de Deus, talvez por receio de ele próprio incomodar a Deus.
A cultura católica ou do vinho e das mulheres é uma cultura de cunhas em que os santos e a Virgem Maria estão constantemente a ser solicitados para meterem cunhas a Deus. Porém, com a chegada progressiva da cultura democrática a Portugal - que é uma cultura de origem protestante ou dos países frugais - a cunha passou a ser crime, o crime de tráfico de influências.
Segundo esta cultura, quem quer uma graça de Deus tem de se dirigir directamente a Ele. Acabaram-se os intermediários. Na teologia protestante ou dos países frugais, os santos e a Virgem Maria deixam de ser venerados e a veneração passa a ser devida exclusivamente a Cristo, segundo o princípio protestante "Solo Christus".
Porém, na arreigada cultura católica do povo português, quem mete cunhas a Deus mais rapidamente as mete aos homens, e foi assim que, segundo a versão do MP, o empresário Joaquim Teixeira, aflito por uma licença de construção, meteu uma cunha a S. Branquinho para que este intercedesse junto do presidente da Câmara de Valongo, Fernando Melo - este fazendo a figura de Deus - a fim de que a licença fosse concedida.
Quem pede um favor ao seu santo preferido ou à Virgem Maria para obter uma graça de Deus, normalmente deixa uma esmola para olear o processo, porque se presume que quer a Virgem quer os santos estão inundados de pedidos para meter cunhas a Deus, e há que estabelecer prioridades. E assim fez o empresário Joaquim Teixeira que alegadamente terá dado uma esmola de 225 mil euros a S. Branquinho.
Tudo teria passado despercebido ao povo português e à sua guarda avançada de procuradores do Ministério Público - a saber, que ainda havia santos e milagres no país - se não fosse o jornal Público, que, neste ponto, vale a pena citar:
"Apesar de o licenciamento e a construção do hospital terem ocorrido entre 2003 e 2007, esta investigação só foi aberta em 2014, na sequência de um grande trabalho do PUBLICO que explicava as diversas diligências que Branquinho fizera, por exemplo junto da Administração Regional de Saúde do Norte, tentando agilizar o licenciamento do Hospital de São Martinho." (cf. aqui, ênfases meus).
Quer dizer, se não fosse o grande trabalho do PÚBLICO, em 2014, onze anos após S. Branquinho ter começado a fazer o milagre, e sete anos depois de ele ter terminado o milagre, nós, cidadãos portugueses e crentes católicos, ainda hoje não teríamos o mínimo indício de que existia um santo entre nós e que ele fazia milagres. Tudo porque os inquisidores do Ministério Público, que nos deviam proteger contra os falsos santos e os falsos milagres, nada fizeram durante todos estes anos e nada sabiam. Passaram o tempo a ver navios entrar e sair da barra do Douro.
Pouca vergonha. Não surpreende que a cultura católica dos países do vinho e das mulheres esteja em declínio e ande por aí de mão estendida à cultura protestante dos países frugais. Mesmo se os inquisidores, só com dois anos de experiência, ganham como generais (cf. aqui). São, na verdade, uns calaceiros que devem gastar tudo em vinho e em mulheres.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário