16 agosto 2020

O vírus (II)

(Continuação daqui)

II. Ocultação do vírus


Eram três e um quarto da tarde quando o imprevisto aconteceu e o curso da investigação sofreu uma alteração radical. Um senhor fleumático com ar de Procurador-Geral Adjunto passou próximo da zona de investigação em direcção ao mar.

Foi a magistrada Lili que primeiro reparou. Tirou os óculos de sol para se certificar que não estava a ver coisas e foi com um grito estridente,

-Olhó vírus!...

que chamou a atenção da sua colega Fafá, a qual se levantou num ápice e confirmou a descoberta.

"Olhó vírus!..."


Em seguida lançaram-se as duas em louca correria atrás do senhor, a primeira a chegar a ele foi a magistrada Fafá, que praticava artes marciais, e lhe aplicou o golpe do mata-leão, imobilizando-o, sem que o senhor tivesse  sequer tempo de perceber porquê.

Três minutos depois, com a ajuda da magistrada Lili, o senhor estava atado a um pau de barraca com o vírus à mostra, à vista de toda a gente que passava por ali.

Foi tudo tão rápido que só agora as duas Procuradoras Adjuntas tinham oportunidade de fixar o arguido.

-Parece o PGA36,

segredou a Lili para a Fafá.

-Sim... é o Guimarães… quem diria que um padreca destes andava por aqui metido em orgias…

confirmou a Fafá.

No Ministério Público os magistrados referiam-se uns aos outros com nomes de código. PGA36 significava Procurador-Geral Adjunto com o lugar 36º na lista de antiguidades (cf. aqui, p. 156 ). O próprio magistrado X era conhecido entre os seus colegas como o PR661, Procurador da República, 661º em antiguidade (cf. aqui, p. 171).

Ali mesmo as Procuradoras Adjuntas fizeram o Procurador-Geral Adjunto assinar toda a papelada relativa à sua constituição como arguido. Era suspeito do crime de propagação de doença e, como medida de coação, foi-lhe decretado o arresto do vírus. Só podia utilizar o vírus para a satisfação das necessidades básicas, toda e qualquer outra utilização do vírus carecia da autorização prévia de um juiz.

E foi então que, cumpridas todas estas formalidades, as magistradas Lili e Fafá se voltaram de novo para o magistrado X que, à distância de 50 metros, continuava sentado, agora a fumar um cigarro e a beber um scotch que tinha encomendado no bar da praia. E, com os olhos muito fixos, e os passos muito firmes, avançaram determinadas em direcção a ele.

Pressentindo o que estava para vir, o magistrado X deixou cair o copo de uma mão, o cigarro da outra, e agarrou-se com quantas forças tinha aos braços da cadeira numa atitude de defesa.

Trinta e dois segundos depois, as magistradas Lili e Fafá chegavam junto dele. Pararam à distância regulamentar de dois metros e foi a Procuradora Fafá que, em voz firme, lhe ordenou:

-Senhor Procurador da República… mostre-nos o vírus... o senhor está indiciado pelo crime de ocultação do vírus...

(Continua)

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