1. Introdução
Passam na próxima segunda-feira cinco anos sobre a data - 25 de maio de 2015 - em que produzi no Porto Canal um comentário visando a sociedade de advogados Cuatrecasas e o seu director do Porto, o eurodeputado Paulo Rangel (cf. aqui).
O comentário estava relacionado com a obra do Joãozinho, a construção por via mecenática da ala pediátrica do Hospital de S. João do Porto.
Este comentário televisivo viria a dar origem a um processo judicial por ofensas que, a partir do verão de 2017, quando foi deduzida acusação, eu transformei num case study sobre o funcionamento da justiça em Portugal.
As minhas críticas ao sistema de justiça em Portugal têm muitos anos quer neste blogue, quer em meios de comunicação social, e todas elas se resumem numa só. Embora Portugal tenha adoptado a democracia em 1974, e os poderes legislativo e executivo se tenham desde então reformado democraticamente de uma maneira razoável, o mesmo não sucedeu com o poder judicial.
O poder judicial permanece medieval e próprio de um regime autoritário. Neste, o sistema de justiça, para além de penalizar os criminosos de delito comum, tem uma segunda função - perseguir pessoal e politicamente os dissidentes, promovendo activamente a sua própria prostituição pelo poder político.
Como os delitos de opinião não são crimes nenhuns, este sistema de justiça é particularmente apto a servir as penas, não através da sentença, mas através do processo. Por isso, a parte mais tenebrosa e antidemocrática do nosso sistema judicial é a parte processual onde os intervenientes principais são o Ministério Publico e o juiz de instrução criminal, todos agindo com base no Código do Processo Penal.
Esta é a tradição da justiça penal portuguesa que atingiu o auge da crueldade com a Inquisição, e da qual ainda não se desligou.
Foi no sentido de contribuir para reformar e democratizar o sistema português de justiça que decidi aproveitar as queixas-crime que a Cuatrecasas e o seu director formularam contra mim para, em torno desse case-study, conhecer melhor e em concreto o sistema de justiça português, e senti-lo na pele, a fim de poder apontar os seus defeitos com conhecimento de causa, e sugerir os caminhos para a desejada reforma.
Neste empreendimento arrisquei o suficiente e não pude deixar de incorrer em custos. Nunca, no meu conhecimento, um réu tinha comentado em público, praticamente em directo, as incidências do seu próprio julgamento enquanto ele decorria em tribunal, como eu fiz entre Fevereiro e Junho de 2018 neste blogue.
A minha actuação, de tão inesperada, provocou reacções por parte do sistema de justiça, algumas absolutamente desproporcionais e irrazoáveis - como aquela contida num célebre acórdão do Tribunal da Relação do Porto - que só vieram tornar claro aquilo que eu pretendia demonstrar, a saber, que o nosso sistema de justiça penal está corrupto e necessita de uma reforma profunda.
Valeu a pena?
Esta é a questão a que pretendo responder nesta série de posts. Mas posso desde já antecipar a resposta, que é um concludente sim. Os progressos no sentido de democratizar o nosso sistema de justiça, submetendo-o ao escrutínio público, têm sido enormes nos últimos anos, especialmente no último.
Um exemplo apenas: a capa do Jornal i, de há duas semanas atrás (cf. aqui), e algumas das questões levantadas pelo jornalista (cf. aqui), seriam absolutamente impossíveis há cinco anos atrás.
O meu propósito nesta série de posts é o de salientar os episódios mais interessantes do meu case-study, filtrados pelo tempo e pela informação que entretanto se tornou disponível. Devo dizer que, para além de me distrair e de visar a melhoria do nosso sistema de justiça, eu não tenho outro propósito no espírito.
Não devo esconder a excitação e o entretenimento que, por vezes, o meu case-study me tem proporcionado. Houve momentos em que escrevi literalmente com as lágrimas nos olhos. E é precisamente por um desses episódios que me fez rir às lágrimas que eu vou começar a série.
(Continua)
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