19 maio 2020

A jurisprudência (II)

(Continuação daqui)

II. Exemplo


Recentemente, com data de 30 de Abril, foi actualizado o folheto publicado pelo Tribunal Europeu do Direitos do Homem (TEDH) contendo a jurisprudência sobre o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), no ramo criminal deste artigo, e que tenho vindo a citar em posts anteriores (cf. aqui).

O artigo 6º é, talvez, o artigo mais importante da CEDH. Trata-se do artigo que se refere ao processo justo ou equitativo como um direito humano fundamental. A maior parte das queixas dirigidas ao TEDH referem-se a este artigo e é também sobre este artigo que assentam a maior parte das condenações do TEDH aos Estados subscritores da Convenção.

Acontece também com Portugal. Mais de metade das condenações do Estado português pelo TEDH são por violações do artigo 6º, e isso não é surpreendente. Como referi anteriormente, o Código do Processo Penal português é a peça mais anti-democrática (fascista, na linguagem popular)  do ordenamento jurídico nacional, e é o CPP que mais frequentemente entra em conflito com a CEDH que, no seu artigo 6º, trata precisamente do direito a um processo justo em democracia.

É ainda ao abrigo do artº 6º que Portugal será condenado se não se resolver internamente a questão relativa à imparcialidade do juiz Eduardo Pires do Tribunal da Relação do Porto, e o F.C. Porto decidir recorrer para o TEDH, no caso a que fiz referência anteriormente (cf. aqui).

O folheto agora actualizado pelo TEDH permite a qualquer cidadão conhecer como é que o TEDH decide acerca dos vários direitos humanos contidos no artigo 6º da Convenção, com base em decisões anteriores deste tribunal.

A partir deste folheto, qualquer cidadão fica ilustrado acerca do âmbito e dos limites dos seus direitos processuais democráticos, como o direito de acesso a um tribunal, o direito a um tribunal independente e imparcial, o direito á defesa, o direito a um prazo razoável para a execução da justiça, o direito à não-auto-incriminação, etc.

O ponto importante que importa aqui ressaltar é que é o próprio TEDH e, noutros casos, o Conselho da Europa, que é a instituição-mãe do TEDH, que promove activamente a divulgação da jurisprudência sobre os vários artigos da CEDH. Na realidade, aquilo que existe para o artigo 6º, existe igualmente para os outros artigos da CEDH (cf. aqui), incluindo o artigo 10º relativo à liberdade de expressão (cf. aqui).

Esta divulgação permite a qualquer cidadão interessado conhecer com razoável certeza como é que o TEDH - que é o tribunal de última instância em matéria de direitos humanos - decide acerca de cada questão sob a sua alçada. E é esta certeza também que lhe permite manter-se afirmativo e inabalável na confiança de que justiça será feita, quando o seu Estado nacional, através dos seus tribunais, decide persegui-lo ou abusá-lo.

O Conselho da Europa e o TEDH fazem a publicação da jurisprudência do Tribunal Europeu nas suas duas línguas oficiais, o inglês e o francês, competindo aos Estado membros fazer a tradução para as suas respectivas línguas nacionais. No caso português, essa obrigação competiria ao Ministério Público que é alegadamente o defensor da legalidade democrática e do Estado de Direito no país.

Eu não conheço qualquer tradução oficial da jurisprudência do TEDH sobre os vários artigos da CEDH, ou de um só que seja. O Ministério Público em Portugal anda demasiadamente ocupado a violar sistematicamente os direitos humanos dos cidadãos - porque é daí que deriva o seu enorme e ilimitado poder - para arriscar a tradução de qualquer publicação que os proteja.


(Continua)

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