Portugal tem uma curta tradição democrática e isso é notório nas mentalidades e nas instituições. Uma das instituições que não faz parte da tradição democrática é um sindicato de juízes. A razão é que a democracia se caracteriza precisamente por uma estrita separação de poderes - o executivo, o legislativo e o judicial.
A existência de um sindicato de juízes é o sinal mais evidente da dependência do poder judicial em relação ao poder político (sobretudo ao poder executivo), que é típica de uma sociedade tradicional e autoritária, mas não de uma democracia.
Ver o sindicato dos juízes, volta-não-volta, de chapéu na mão a pedir aumentos ao patrão - quer dizer, ao Governo -, ou a ameaçar o patrão com greves para o mesmo efeito, é um espectáculo capaz de fazer levantar do túmulo o Barão de Montesquieu. E imaginar aquilo que os juízes têm de dar em troca aos Governos, e os favores que têm de retribuir aos políticos, por virtude dos aumentos de salários e outras regalias que estes lhes concedem, é algo que nenhum verdadeiro democrata gostaria sequer de imaginar.
O sindicato dos juízes é, pois, uma instituição destinada a desaparecer se Portugal continuar a caminhar para uma democracia respeitável. Mas enquanto o sindicato não é extinto, eu prefiro que tenha como presidente o juiz Manuel Soares.
Sigo-o regularmente na sua coluna no Público e vi-o mais recentemente num programa de opinião na televisão. À frente de uma instituição corporativa como é um sindicato, pertencente a uma classe imensamente corporativa como é a dos juízes, o juiz Manuel Soares representa uma lufada de ar fresco.
O juiz Manuel Soares comunica bem publicamente, o que é raro entre os seus pares. Fá-lo de forma aberta, racional, equilibrada e elegante. E a sua dedicação ao público, que é a quem os juízes devem servir numa democracia (e não a si próprios ou ao poder político), bem como ao serviço público da justiça, parecem inteiramente genuínas.
A tal ponto que ainda recentemente o citei neste blogue num artigo em que ele falava sobre o Compromisso Ético dos Juízes Portugueses. Foi numa altura em que me sentia particularmente indignado com a falta de imparcialidade de um juiz do Tribunal da Relação do Porto. E lembro-me de ter suspirado: "Quem me dera que o juiz Manuel Soares fosse juiz no Tribunal da Relação do Porto…" (cf. aqui e aqui).
Foi com este desejo no espírito que, há dias, no programa de televisão a que fiz referência acima, soube com surpresa que o juiz Manuel Soares é mesmo juiz no Tribunal da Relação do Porto. A princípio nem queria acreditar. Mas fui verificar e é verdade. O juiz Manuel Soares é juiz na segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui).
Poderia ter sido ele a julgar o processo do meu case-study (cf. aqui), não fosse aquele malfadado sistema aleatório que é utilizado no Tribunal da Relação do Porto para distribuir os processos, e que tanto azar me tem causado (cf. aqui).
Voltei a admirar a determinação do juiz Manuel Soares quando este fim de semana, à frente do seu sindicato - e a propósito das notícias que vieram a público sobre o juiz Vaz das Neves - ele exigiu uma investigação urgente ao mecanismo de distribuição dos processos no Tribunal da Relação de Lisboa (cf. aqui).
Porém, desta vez já não suspirei. Pelo contrário, pensei que o juiz Manuel Soares faria bem em começar por ver como é que são distribuídos os processos na sua própria casa profissional - o Tribunal da Relação do Porto. E, quanto ao cumprimento do Compromisso Ético dos Juízes Portugueses, também faria bem em começar pela sua própria casa.
Diz-se que santos da casa não fazem milagres. Mas não custa nada tentar.
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