Os juízes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ficaram chocados com vários aspectos da actuação do Ministério Público no caso da Praia do Meco (cf. aqui).
Um dos principais foi o facto de os jovens universitários terem morrido a 15 de Dezembro e a investigação criminal do Ministério Público só ter sido aberta em Fevereiro, quase dois meses depois.
Como os juízes do TEDH que apreciaram o caso - à excepção de um deles - são estrangeiros (cf. aqui), eu vou explicar as razões para este atraso, porque eles não percebem como é que as coisas funcionam por cá.
Primeiro, os factos. Os jovens morreram na Praia do Meco, perto de Sesimbra, na madrugada de 15 de Dezembro de 2013, que era um domingo. A investigação competia ao Ministério Público de Lisboa (Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, PGDL) de que era chefe na altura a magistrada Francisca Van Dunen, hoje Ministra da Justiça.
Ela bem procurou entre os magistrados e as magistradas do MP sob o seu comando que alguém se voluntariasse para ir à Praia do Meco no dia seguinte, à noite, para reconstituir os acontecimentos e abrir a investigação criminal. Mas não conseguiu que alguém se chegasse à frente.
O grande problema - viria a concluir-se em breve -, é que já se estava na época do Natal.
No próprio dia era impossível arranjar alguém porque os jovens morreram altas horas da noite e a essas horas os escritórios da PGDL estão fechados e não há ninguém de serviço, ainda por cima a um domingo. Os magistrados do MP têm direito ao descanso - na realidade, é um dos direitos que eles mais apreciam, o direito ao descanso. O outro é o direito a ganhar bem.
Nos dias seguintes, a procuradora Van Dunen bem tentou, mas também nunca conseguiu ninguém. As razões para a recusa dos procuradores do MP de Lisboa foram as mais variadas mas todas perfeitamente atendíveis.
Entre as magistradas, a razão mais citada foi a de que ainda não tinham feito as compras de Natal. Havia mesmo algumas que ainda não tinham feito a árvore de Natal em casa. E se elas fossem para o Meco, à noite, quem é que lhes tomaria conta dos filhos?
Entre os magistrados, os casados desculparam-se, em primeiro lugar, com as suas próprias mulheres. Um deles disse que tinha de ir assistir às festas de Natal no colégio dos filhos porque a mulher não podia. Outro explicou que ia para fora de Lisboa passar o Natal com a família da mulher, que era de Frielas. Um terceiro, em processo de divórcio, disse que a mulher se recusava a ficar sozinha em casa à noite com os filhos.
Entre os solteiros e os divorciados - e, é preciso admitir, também alguns casados -, algumas das razões para a recusa eram indizíveis, mas um magistrado do Ministério Público foi ouvido a dizer a um colega: "Olha...olha... ir para a Praia do Meco numa noite de Dezembro...ainda se fosse numa tarde de verão... com umas magistradas em biquini…".
E assim se passou uma semana e chegou o dia 22 de Dezembro que também era domingo. O Natal, nesse ano, calhou a uma quarta-feira. Ora, não se começa uma investigação criminal no Meco, com aquele vento todo, a um domingo, ainda por cima antevéspera da consoada. Os magistrados do MP também têm direito a uma vida familiar, ou não têm?
O dia a seguir ao Natal foi uma quinta-feira. Mas já se viu alguém a começar uma investigação, ainda por cima com o frio do Meco, em vésperas de um fim-de-semana? Além disso, ninguém trabalha naquela semana entre o Natal e o Ano Novo. Toda a gente sabe que os dias são muito curtos e o trabalho não rende nada. Por que é que os magistrados do Ministério Público haviam de ser os sacrificados?
E foi assim que se chegou ao dia de ano novo de 2014, que é feriado. O dia seguinte foi uma quinta-feira e o pessoal do Ministério Público, como todos os portugueses, ainda estava na ressaca dos festejos da passagem de ano. De maneira que o assunto foi diferido para a segunda-feira seguinte, 6 de Janeiro. Ora, em Espanha, o Dia de Reis é feriado. Por que é que os magistrados do Ministério Público português haviam de ser discriminados relativamente aos seus colegas espanhóis e trabalhar nesse dia?
A partir do dia 7, compreensivelmente, a prioridade no Ministério Público de Lisboa não era nada a Praia do Meco, mas a cerimónia de inauguração do ano judicial que teria lugar na semana seguinte, e onde estariam presentes o primeiro ministro, o ministro da justiça e o presidente da república. Era preciso falar ao Ventinhas, o presidente do sindicato, e arranjar tudo para assaltar o Governo sobre o próximo aumento de vencimentos.
Na altura, o objectivo era que os magistrados do Ministério Público pudessem vir a ganhar mais do que o primeiro-ministro. Em retrospectiva, era um objectivo excessivamente ambicioso, tendo em conta que, à época, o país se encontrava ainda sujeito aos ditames da Troika.
(Na realidade, este objectivo só viria a ser atingido no verão de 2019. O próximo objectivo do sindicato é agora o de os magistrados do MP virem a ganhar mais do que o presidente da república e, a seguir, mais do que o Bill Gates).
Quando o lobbying junto do Governo terminou, o mês de Fevereiro tinha chegado. Foi nessa altura que um magistrado muito generoso, de nome Joaquim Moreira da Silva, se voluntariou para ir ao Meco ver o que se tinha lá passado na noite de 14 para 15 de Dezembro do ano anterior.
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