Como se está a ver, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é uma das instituições que mais pode contribuir para reformar a justiça portuguesa, que nunca se irá reformar a partir de dentro.
O problema principal da justiça portuguesa é um problema de cultura. Ela possui uma cultura de comunidade fechada, hierarquizada, autoritária, corporativa, medieval. Em nenhuma instituição da sociedade portuguesa - excepto, talvez em conventos - é possível encontrar esta mentalidade, e eu não tenho hoje dúvidas em afirmar que a justiça é a instituição mais retrógrada do país.
Na recente condenação do TEDH sobre Portugal a propósito do caso da Praia do Meco aquilo que impressionou os juízes do TEDH foi, afinal, o ritmo medieval a que ainda hoje funciona a justiça no país (no caso concreto, o Ministério Público).
A cerimónia da semana passada da abertura do ano judicial, como observei noutro post, foi uma cerimónia caracteristicamente medieval e corporativa, uma cerimónia de cumprimentos mútuos ("tu dizes bem de mim e eu digo bem de ti").
Sobressaiu neste corporativismo a Ministra da Justiça, ela própria magistrada do Ministério Público a dizer que todos os agentes da justiça ali presentes eram fantásticos, a começar, evidentemente, pelos próprios magistrados como ela, que são dos melhores do mundo.
Bastaram alguns dias e uma avaliação por uma entidade independente - que é aquilo que falta à justiça portuguesa, onde os seus agentes se avaliam a si próprios - para que aquele mundo descrito pela ministra da Justiça desabasse, em parte sobre a própria cabeça da Ministra. Ela era a chefe imediata do magistrado do MP que conduziu a investigação criminal que é arrasada pela sentença do TEDH.
Habituada a viver na irresponsabilidade do Ministério Público, em lugar de admitir a sua responsabilidade no assunto e se demitir, ameaçou que ia recorrer da decisão - uma decisão que foi tomada por unanimidade por nada menos do que sete juízes (incluindo um português).
O TEDH ainda é muito pouco conhecido em Portugal. A maior parte dos advogados portugueses não sabe formular uma queixa no TEDH (que pode ser apresentada por qualquer cidadão) e, quase sempre, nas causas que advogam em Portugal, em lugar de argumentarem com a jurisprudências do TEDH, continuam a argumentar com jurisprudências nacionais que, sobre muitos temas, são medievais, e não passam no TEDH.
(Numa série de posts que publiquei neste blogue em Outubro passado, a propósito do tema da imparcialidade dos juízes, contrastei a jurisprudência do TEDH com a jurisprudência prevalecente em Portugal, que é medieval e que não passa no TEDH).
Para começar a conhecer o TEDH e para que os cidadãos portugueses possam recorrer a ele quando são abusados pela justiça portuguesa - o que acontece com uma frequência inusitada, muitas vezes sem que os cidadãos se dêem conta - talvez seja útil começar por um folheto que reponde a 50 questões frequentemente colocadas sobre este Tribunal Europeu.
O folheto está em inglês (cf. aqui) porque as línguas oficiais do TEDH são o inglês e o francês (no entanto, existe já abundante informação do TEDH traduzida em português, especialmente os acórdãos em que Portugal está envolvido)
Toda as questões, e respectivas respostas, mereceriam alguns comentários pedagógicos breves. Farei aqui apenas um comentário à Questão #46. A maior parte (55%) das queixas apresentadas no TEDH são por violação do artº 6º da Convenção - o Direito a um Processo Equitativo (cf. aqui).
Este artigo é também aquele que tem ditado o maior número de condenações de Portugal pelo TEDH, sobretudo por demoras na justiça. (A condenação de Portugal desta semana sobre o caso do Meco foi por violação do artº 2º - Direito à Vida)
Sem comentários:
Enviar um comentário