O Juiz-Pistoleiro
(Novela)
Cap. 23. Our national hero
Quando o avião estabilizou à altitude de 33 mil pés, o comandante passou os comandos para o co-piloto e ele próprio foi ocupar-se das comunicações, que os americanos já chamavam a partir de Nova Iorque.
O juiz Francis dos Coldres estava sentado no jump seat, atrás do comandante, com a pistola a pressionar-lhe a cabeça. O comandante, muito profissional, parecia imperturbável, apesar do incómodo que sentia na nuca.
Na torre de controlo do aeroporto JFK em Nova Iorque estava uma equipa especial do FBI a dirigir as operações, e o presidente Trump, na iminência de um novo 11 de Setembro, já tinha posto as forças armadas em estado geral de alerta.
Os americanos queriam saber a identidade do sequestrador, como é que estava armado e qual era o alvo do ataque, se o Empire State Building ou o Guggenheim Museum, e o comandante informou tudo direitinho. E queriam saber também se o sequestrador pertencia à Al Qaeda.
Foi nessa altura que o juiz, embora não falasse inglês, percebeu que a conversa revelava muita tensão da parte dos americanos, e ordenou ao comandante que lhes dissesse que não tivessem medo.
-Don't be afraid...
disse o comandante pela frequência de emergência.
-Diz-lhe que nós... portugueses... temos uma grande tradição de sequestro de aviões...
ordenou o juiz.
E o comandante:
-We... the Portuguese... we have a great tradition of plane hijackings…
-Pergunta-lhes se conhecem a família Mortágua…,
continuou o juiz para o comandante. E o comandante, para os americanos:
-Do you know the Mortágua family?...
Silêncio do outro lado. O comandante resolveu traduzir, tentando a sua sorte:
-Do you know the Deadwater family?...
-Oh yes…,
respondeu do outro lado o chefe do FBI, que acrescentou:
-We have heard about the Deadwater sisters…they are very famous...
O juiz resolveu meter-se na conversa:
-Pergunta-lhes se conhecem o pai, o Camilo…
E o comandante:
-Have you ever heard about Camil Deadwater, our national hero…?
Os americanos nunca tinham ouvido falar.
Foi então que o juiz ordenou ao comandante:
-Diz-lhe que foi o precursor dos sequestros da história moderna da aviação…
E o comandante, para os americanos:
-He was the precursor of hijackings in modern aviation history…
Mas os americanos só tinham ouvido falar das filhas, Joan and Marianne Deadwater.
-Diz-lhe que os sequestros portugueses não são como os da Al Qaeda... os sequestros portugueses terminam sempre bem...
-Portuguese hijackings always have a happy ending… Camil Deadwater himself just wanted to throw from the plane a few pieces of paper around the city of Lisbon…,
explicou o comandante aos americanos.
Os americanos estavam agora a ficar interessados com a filosofia portuguesa de sequestrar aviões e pelo facto de o pai do moderno sequestro de aviões ser português.
O comandante aproveitou para lhes contar um outro sequestro ocorrido nos anos 70 em Portugal. Um rapaz de 16 anos sequestrou um avião, também da TAP. O comandante, em pleno vôo, lá convenceu o rapaz a entregar-lhe a arma. E tudo acabou em bem, a tal ponto que o comandante, mais tarde, foi testemunha de defesa do rapaz em tribunal.
Em Portugal, os sequestros e outros actos públicos potencialmente violentos terminam sempre em abraços, beijinhos e frequentemente numa comovida choradeira entre os inimigos de ontem, explicou o comandante aos americanos.
Sentindo que do outro lado os americanos estavam a ficar mais distendidos, o juiz disse, então, ao comandante para lhes transmitir que a sua única condição era a presença, à chegada ao aeroporto, do xerife de Slaughterville, Jack Simpson.
O juiz só pretendia entregar Joe Pistolas ao patrão.
(Continua aqui)
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