05 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (12)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro 
(Novela)


Cap. 12. "Vamos a outro!"



O silêncio era de chumbo e de consternação na sala do tribunal, todos os olhos estavam postos no juiz.

Os olhos dele eram tristes, a expressão de desalento, parecia envergonhado perante aquela pequena multidão, os lábios tremelicavam, quase que chorava de compaixão por si próprio.

Já não se via o juiz Francis assim tão triste desde o dia em que perdeu  uma acção em tribunal por ofensas à sua honra que pôs contra um advogado, exigindo uma indemnização de um milhão de euros.

Até que se encheu-se de coragem e explicou à assistência:

-Eu perdi por causa da toga!... que não me deixou chegar à pistola...

E logo Joe Pistolas, qual cavalheiro, veio em seu auxílio, pegando-lhe na palavra e dirigindo-se à assistência:

-É verdade, pá... este gajo é um grande pistoleiro… mas ninguém faz duelos com toga…

O árbitro também concordou e foi decidido repetir o duelo.

O juiz despiu a toga e, com ar gingão, dirigiu-se ao seu lugar, a trinta centímetros da parede do lado esquerdo de quem está voltado para a tribuna. Joe Pistolas ocupou o lugar simétrico na parede oposta.

Fez-se silêncio na sala dois do tribunal de Littlebushes, o duelo entre juiz e réu ia ser repetido. Ainda se ouviu o Dr. Adriano, apertado no meio de outros espectadores, dizer:

-Vossas Senhorias não se importarão de chegar os Vossos Digníssimos cotovelos para lá?...

O árbitro anunciou que, desta vez, iria contar até dez antes de apitar.

 E assim fez, um, dois, três, …, dez,

-Prrriiiii…

Passaram cinquenta centésimos de segundo, depois cento e vinte…, e nada. Os centésimos de segundo já iam em trezentos e quarenta e um quando finalmente se ouviu um estalido seco:

-Pum!...

O juiz Francis dos Coldres tinha acabado de bater o seu próprio record pessoal em um centésimo de segundo, enquanto Joe Pistolas se atirava aparatosamente para o chão fazendo de morto.

O juiz nem queria acreditar ao ver Joe Pistolas tombar, as lágrimas até lhe vieram aos olhos, voltou-se para a assistência, ergueu os braços em sinal de vitória, a pistola ainda a fumegar, e recebeu então a mais estrondosa ovação da sua vida, acompanhada de uns quantos "Bravo!".

Não cabia em si de contente. Já não se via o juiz Francis dos Coldres tão entusiasmado com uma vitória desde o dia em que, quatro meses antes, tinha ganho uma acção em  tribunal à madrasta para anular o casamento com o pai, 55 anos mais velho do que ela.

Foi neste momento, que era o minuto trinta e sete da quarta sessão do julgamento, que o magistrado Guimarães registou na sua agenda 126 crimes de "desrespeito ao tribunal".

O entusiasmo do juiz era tal que, quando Joe Pistolas se levantou do chão, o juiz imediatamente lhe ordenou:

-Vamos a outro!

E assim foi. O juiz voltou a ganhar. A sala explodiu outra vez numa tremenda ovação e o magistrado Toni aproveitou para duplicar o número de crimes por desrespeito ao tribunal. Na verdade, uma sala de tribunal não era propriamente um ringue de boxe. Era preciso respeito.

Quando Joe Pistolas se levantou do chão pela segunda vez, o juiz dirigiu-se a ele e ao árbitro e ordenou:

-Mais outro!...

E o árbitro fez de novo

-Prrrriiiii….,

e, ao final de trezentos e tal centésimos de segundo, ouviu-se de novo um

-Pum!...,

e  Joe Pistolas atirou-se outra vez para o chão.

Eram nove da noite ainda estavam nisto, a sala de audiências já se tinha esvaziado, apenas o magistrado do MP continuava sentado na tribuna a multiplicar os crimes. Já ia em 19.446.

Às nove e meia chegou o pessoal da limpeza, e a encarregada disse aos presentes:

-Fazem favor de sair que temos de limpar a sala...

Foi assim que terminou a quarta sessão do julgamento de Joe Pistolas no tribunal de Littlebushes. O juiz recolheu as pistolas que tinha trazido para o duelo e também a caixa de fulminantes. Tinha sido o dia mais glorioso da sua vida.


(Continua aqui)
 

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