05 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (11)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 11. Pum!


Quando se soube no tribunal de Littlebushes que ia haver duelo na Sala de Audiências número dois, todos os outros julgamentos foram suspensos para as pessoas poderem ir assistir. E o magistrado Guimarães não deixou de anotar no seu bloco "crime de invasão de edifício público, 37 arguidos" quando o pessoal da sala três invadiu a sala dois.

À frente da tribuna, onde agora o magistrado do Ministério Público se sentava sozinho, estavam, de pé, a fazer os preparativos para o duelo, o juiz, o réu e o senhor de gravata que tinha sido designado para árbitro.

A partir do centro,  o juiz deu cinco passos para trás até ficar a trinta centímetros da paredes lateral, e o mesmo fez Joe Pistolas até ficar à mesma distância da parede oposta da sala, no local onde antes se sentava a sua advogada Maria Odete. O árbitro, colocado ao centro, de costas para a tribuna, certificou-se que a distância entre os dois contendores era a distância regulamentar de dez metros.

Neste mesmo momento, o magistrado Guimarães creditou mais três crimes à sua conta, "utilização de edifício público para fins espúrios", nomeando como arguidos o juiz, o réu e o senhor que servia de árbitro. Já antes, quando a escrivã e os advogados tinham vagado o espaço, o magistrado tinha anotado quatro crimes de "abandono de funções".

Segundo as regras da Federação Internacional de Duelos à Pistola, versão Mauser 7 mm, a posição inicial da mão que iria disparar a pistola era a posição aberta sobre a testa. O Joe Pistolas que era canhoto, já tinha a palma da mão esquerda colocada sobre a testa,  mas o juiz Francis, tinha a mão a descair sobre o sobrolho direito com o propósito de ganhar tempo.

O árbitro reparou na batotice e mandou-o colocar a mão direita, totalmente aberta, sobre a testa, o que ele fez. Quando era apanhado a fazer batota, o juiz recompunha-se prontamente, como se o tivessem apanhado distraído. O juiz Francis era aquilo a que se poderia chamar um batoteiro honesto.

A simulação para o combate tinha corrido muito bem, pelo que o árbitro resolveu chamar outra vez os adversários ao centro da sala, junto à tribuna, para se cumprimentarem. Para um deles, seria o último cumprimento da sua vida. Pediu ao juiz e ao réu que se abraçassem e eles assim fizeram demorada e fraternalmente, ambos com lágrimas nos olhos.

Havia  mais um ou outro detalhe a tratar, antes do apito inicial.

O juiz tinha trazido as pistolas e o apito. O árbitro certificou-se que eram ambas Mauser de 7 mm, e tinham a côr preta. Só faltavam os coldres.

Foi nesse momento que o juiz Francis levantou a toga, tirou um dos dois coldres que trazia à cintura e deu-o ao JPS. Este coldre, ele tinha comprado na feira do Lord of Littlebushes, onde a Maria Odete também costumava comprar as suas reluzentes sandálias e o verniz para as unhas dos pés.

O outro coldre era o do próprio juiz, que ele tinha comprado há dois anos quando visitou o Texas, e que tinha pertencido a uma famoso xerife americano. Tinha sido deste coldre que, seis meses depois, o juiz Francis sacou da pistola para a encostar à cabeça do irmão mais novo e proferir uma ameaça veemente, que se tornaria histórica: "Estouro-te os miolos!".

Estava agora tudo a postos para o duelo começar. O árbitro ordenou então aos duelistas que retomassem os seus lugares, trinta centímetros afastados das paredes laterais da sala do tribunal, as pistolas colocadas até se ver um centímetro da ponta do cano a sair do coldre, a mão disparadora completamente aberta sobre a testa, e que aguardassem o apito.

Fez-se o silêncio na sala, enquanto o magistrado Guimarães, que parecia agora o juiz, anotava mais um crime, atribuído a Joe Pistolas: "uso ilegal de arma". De facto, Joe Pistolas não tinha licença de uso e porte de arma em Portugal, onde só vinha de férias. Pelo contrário, o uso e porte de arma era um direito dos juízes e o juiz Francis fez uso dele quando um tipo que ele tinha condenado anos antes saiu da prisão e ameaçava matá-lo.

O silêncio era  agora absoluto. O árbitro estava de apito na boca e já com ar nas bochechas. À sua esquerda, Joe Pistolas com a mão esquerda espalmada sobre a testa. À sua direita, o Juiz Francis dos Coldres, com a mão direita a descair sobre a testa. Até que se ouviu:

-Prrrriiiiii...

E, logo a seguir, um estalido seco,

-Pum!,

vindo do revólver de Joe Pistolas, ainda o juiz Francis dos Coldres não tinha descido a mão abaixo sequer do sobrolho direito.


(Continua aqui)

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