A doutrina da justificação, que tratei no post anterior, estabelece a diferença entre a atitude liberal (calvinista) para com os pobres e a atitude católica, e esta diferença de atitude é um dos obstáculos principais que um partido como a Iniciativa Liberal tem de vencer num país de cultura marcadamente católica como é Portugal.
Os pobres - e, com eles, todos os desamparados e marginais - desempenham um papel preponderante na teologia católica e não é exagerado dizer que, sem eles, todo o edifício teológico do catolicismo ruiria como um baralho de cartas. Os pobres são ao mesmo tempo os filhos dilectos de Deus e os intermediários que permitem aos ricos o acesso ao reino dos céus.
Esta posição privilegiada que a Igreja Católica atribui aos pobres faz do catolicismo uma religião muito apelativa nos países pobres. E permitindo aos ricos comprar o céu através das boas obras que fazem aos pobres, também é uma religião apelativa para os ricos dos países pobres. O catolicismo é a religião ideal para os países pobres e com grandes desigualdades na distribuição da riqueza. Agrada à massa dos pobres e permite comprar barato a salvação àqueles poucos que são ricos.
Não surpreende que, hoje em dia, o continente mais católico do mundo seja a América Latina (por países, essa distinção pertence ao Brasil, o legado português na América Latina) que é também o segundo continente mais pobre do mundo. E o continente onde o catolicismo se encontra em maior expansão no mundo é Africa, que é mesmo o continente mais pobre do mundo.
Pode dizer-se, com toda a propriedade, que o catolicismo é, hoje, uma religião predominantemente do Terceiro Mundo. A razão é que o catolicismo não pode viver sem os pobres. E nunca mexerá um dedo para acabar definitivamente com eles.
Para ilustrar que assim é, vale a pena voltar ao artigo que tenho vindo a citar do presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz - um órgão laical da Igreja Católica -, juiz Pedro Vaz Patto, que é inspirado numa efeméride criada pela ONU, o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza (que tem lugar a 17 de Outubro).
O artigo, com o título "Escutar o clamor dos pobres" encontra-se na página da CNJP (cf. aqui, no canto inferior esquerdo)
O artigo é bastante extenso, e fica-se na expectativa, parágrafo após parágrafo, que ele responda à questão que se propõe tratar, que é a de indicar soluções para a erradicação da pobreza. Mas, quem tinha ilusões - se é que as tinha -, cedo se desilude, porque o artigo em breve põe essa questão de lado e passa a divagar sobre assuntos que nada têm a ver com ela.
De facto, a certa altura, escreve o juiz Vaz Patto:
"Nesse dia, fui também interpelado por jornalistas enquanto presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (…) Não sou, como era Alfredo Bruto da Costa, especialista nesta área e, por isso, não soube responder à pergunta concreta sobre que medidas devem ser tomadas para erradicar a pobreza em Portugal (…)".
O juiz Pedro Vaz Patto, actual presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, não é especialista em pobreza e, por isso, não sabe que medidas concretas deve recomendar para acabar com a pobreza em Portugal. O seu antecessor - o sociólogo e Professor Alfredo Bruto da Costa - é que era especialista em pobreza, e portanto sabia dessa matéria.
Acontece que o Professor Bruto da Costa faleceu, aparentemente sem passar a pasta e o know-how ao seu sucessor. E assim ficamos todos sem saber que soluções tem a Comissão Nacional Justiça e Paz para acabar com a pobreza no país.
Se a CNJP e, mais geralmente, a Igreja Católica, nunca mexerão um dedo para erradicar a pobreza do mundo, é caso para perguntar: Será que o liberalismo (ou o calvinismo) o faz?
É esse o tema do meu próximo post.
Sem comentários:
Enviar um comentário