Nos finais do século XVIII o liberalismo já estava firmemente estabelecido, enquanto o socialismo, esse, ainda nem sonhava existir.
O liberalismo nasceu no Reino Unido, com grande destaque para a Escócia. O ano de 1776 é uma ano de referência na história do liberalismo. Nesse ano, morre um dos principais filósofos do liberalismo - o escocês David Hume. Nesse ano também, é publicado o primeiro tratado de liberalismo económico (A Riqueza das Nações) da autoria do filósofo Adam Smith, também escocês. Nesse ano ainda, ocorre a revolução americana que virá dar origem ao primeiro país nascido liberal - os EUA.
O socialismo só viria a nascer quase um século depois na Alemanha, e nasceria numa das suas versões mais radicais - o comunismo. O ano de referência é 1848, a data da publicação do Manifesto do Partido Comunista. Cerca de vinte anos mais tarde, nasceria a versão democrática do socialismo, ou social-democracia, com a fundação do primeiro partido social-democrata - o Partido Social-Democrata alemão (1869).
O nascimento do socialismo foi, em certos aspectos, uma ajuda para a Igreja no seu combate contra o liberalismo, que era o seu grande inimigo da altura. Ficou célebre a publicação em 1864 do Syllabus dos Erros, um documento anexo à Encíclica Quanta Cura do Papa Pio IX que constitui ainda hoje a mais devastadora condenação pela Igreja do liberalismo, do progresso e da civilização moderna.
É a partir dessa altura que se dá o grande confronto entre liberalismo e socialismo em torno da chamada Questão Social - que é essencialmente a questão de saber como resolver o problema da pobreza das massas -, com a Igreja metida pelo meio sem saber muito bem o que dizer.
O liberalismo e o socialismo são ambos movimentos anti-católicos. Na realidade, a rivalidade entre liberalismo e socialismo esconde duas outras rivalidades, a saber, a rivalidade entre as duas maiores correntes do protestantismo (calvinismo e luteranismo) e também a rivalidade entre a Inglaterra e a Alemanha.
Quando o confronto entre liberalismo e socialismo atingiu o auge em finais do século XIX, a Igreja - largamente estranha a esse confronto que era um confronto entre duas correntes do protestantismo - decidiu tomar posição. Fê-lo pela mão do Papa Leão XIII na Encíclica Rerum Novarum (1891), que inaugurou a chamada Doutrina Social da Igreja.
Nela, o Papa condenava quer o liberalismo (capitalismo) quer o socialismo como soluções para resolver a Questão Social - a qual, não é de mais recordar, era essencialmente a questão da pobreza das massas - e afirmava que a Igreja possuía uma Terceira Via para resolver o problema, mas nunca a especificou.
Nas décadas que se seguiram, foram vários os Papas que produziram encíclicas de cariz económico e social acrescentando à Doutrina Social da Igreja. Pode dizer-se, sem exagero, que três ideias estavam sempre presentes.
Primeira, a condenação quer do socialismo quer do liberalismo como soluções para resolver o problema da pobreza no mundo. Segunda, a defesa de posições que, na prática, aproximavam a Igreja sempre muito mais do socialismo do que do liberalismo. Terceira, a afirmação de que a Igreja possuía uma Terceira Via para resolver o problema da pobreza - uma via alternativa ao liberalismo e ao socialismo -, mas que permaneceu sempre um segredo muito bem guardado.
Foi essencialmente assim o primeiro século da Doutrina Social da Igreja: condenação do socialismo e do liberalismo; tomadas de posição que a aproximavam mais do socialismo do que do liberalismo; e a afirmação de uma Terceira Via que ninguém sabia muito bem o que era.
Já na década de 1980, a primeira encíclica social do Papa João Paulo II é dedicada ao Trabalho Humano (Laborem Exercens, 1981). É, sem tirar nem pôr, a teoria marxista da exploração onde só falta à Igreja advogar a luta de classes. Em 1986, uma nova encíclica social do Papa João Paulo II - A Solicitude Social da Igreja, dedicada ao problema do subdesenvolvimento e da pobreza no mundo. Aquilo que lá se lê é essencialmente a teoria socialista do subdenvolvimento em que os países pobres são pobres porque são explorados pelos ricos.
Até que em 1989 se dá um acontecimento inesperado - a queda do Muro de Berlim. A Alemanha estava dividida entre uma parte oriental, socialista, e outra ocidental, capitalista. A pessoas fugiram da primeira em direcção à segunda.
Já não era mais possível à Igreja ignorar a realidade e manter a ambiguidade, tanto mais que o principal conselheiro do Papa era um teólogo alemão - o cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI . Na Encíclica Centesimus Annus (1991) destinada a comemorar o centenário da Rerum Novarum, o Papa João Paulo II (muito provavelmente pela mão do cardeal Ratzinger) escreveu assim:
"Tanto no âmbito de cada nação, como no das relações internacionais, o livre mercado parece ser o instrumento mais eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades."
E, tendo-se posto a si próprio a questão de saber qual o sistema económico e social a recomendar aos países do Leste, que procuravam reconstruir as suas economias, e aos países do Terceiro Mundo, que buscavam uma via para o desenvolvimento, o Papa João Paulo II conclui que esse sistema é o capitalismo ou, como ele prefere chamar-lhe, o sistema de "economia livre".
A Igreja Católica é uma instituição honesta. Por vezes, comete os seus erros, pode demorar séculos a reconhecê-los, mas acaba sempre por os reconhecer. Em 1776 o liberalismo já estava firmemente estabelecido no mundo ocidental. Demorou à Igreja Católica cerca de duzentos anos a reconhecer que ele é a solução para os problemas da pobreza no mundo.
Demorou à Igreja cerca de duzentos anos a reconhecer isto na sua sede em Roma, Itália … Porque, na Comissão Nacional Justiça e Paz, em Lisboa, Portugal - que é um organismo laical da Igreja Católica Portuguesa -, já vai a caminho de trezentos (cf. aqui). .
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