Um partido liberal como a Iniciativa Liberal, que queira manter-se coerente ideologicamente, vai ter de vencer duras batalhas ideológicas num país católico como é Portugal e que na sua experiência democrática de 45 anos se deixou resvalar para o socialismo. Os adversários serão simultaneamente o catolicismo e o socialismo, embora pontualmente possa ter um deles como aliado contra o outro.
Na Grã-Bretanha, que é a pátria do liberalismo moderno, o liberalismo só conseguiu impor-se quando proibiu o catolicismo depois da Glorious Revolution de 1688 (cf. aqui). E os EUA só conseguiram nascer como primeiro país liberal no mundo em 1776 porque o catolicismo estava igualmente proibido nas colónias britânicas da América.
Apenas um dos pais fundadores americanos era católico (Charles Carroll, cf. aqui) e, desde a sua fundação, apenas um presidente americano era católico - John F. Kennedy, que teve o fim que é conhecido. Ainda hoje, na pátria-mãe dos EUA, o Reino Unido, os altos cargos da governação (v.g., rei, primeiro-ministro) não podem ser ocupados por católicos. (É conhecido o caso relativamente recente de Tony Blair que se converteu ao catolicismo, a religião de sua mulher, mas só depois de abandonar o cargo de primeiro-ministro, cf. aqui).
A grande polémica da administração Trump em torno do muro na fronteira com o México não é mais do que uma manifestação desta incompatibilidade aparente entre liberalismo e catolicismo. De um lado do muro, a norte, a América WASP (White, Anglo-Saxonic and Protestant - Branca, Anglo-Saxónica e Protestante), do outro lado, a sul, a América BLC (Brown, Latin and Catholic - Castanha, Latina e Católica).
A América nasceu praticamente sem católicos, mas eles hoje representam já cerca de 20% da população americana. Logo a partir do século XIX os católicos começaram a penetrar nos EUA sobretudo devido à imigração irlandesa e nas últimas décadas o crescimento católico nos EUA tem vindo sobretudo da América Latina, e particularmente do México.
Para a América guardar a sua tradição WASP e o seu sonho americano é absolutamente essencial travar o crescimento da população católica no país e é isso que o Presidente Trump visa conseguir. O sonho americano é o sonho de o pobre se tornar rico - e isso é muito difícil no seio de uma cultura católica que beatifica os pobres e suspeita dos ricos.
Volto, neste ponto, ao texto do juiz Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, a voz laica da Conferência Episcopal Portuguesa, a que fiz referência no post anterior, com o título "Escutar o clamor dos pobres" (cf. aqui). Diz ele:
"Quando nesse Dia (…) fui interpelado na rua por um ou dois pedintes (…) [é] claro que me veio à mente a ideia de que não era certamente a minha esmola que iria erradicar a pobreza, nem sequer aquela de que notoriamente padecia aquele pedinte. Mas também me ocorreu a advertência do Evangelho: naquela pessoa vejo a imagem de Jesus, Deus feito homem. E isso não pode deixar de ter consequências na minha atitude para com ele, para além da esmola".
A América habitada por pessoas como o juiz Vaz Patto deixaria de ser a América, a mais poderosa máquina trituradora de pobreza que a humanidade já conheceu. Seria um país a divinizar a pobreza, a ver no pobre a figura de Jesus; seria um país em que os ricos dão esmola aos pobres sem acreditarem que ela sirva para alguma coisa, designadamente para os tirar da pobreza.
Mas, então - é caso para perguntar -, nessa cultura católica, tal como interpretada pelo juiz Vaz Patto, por que é que as pessoas dão esmola aos pobres, se não acreditam que ela sirva para os tirar da pobreza?
Fazem-no para se gratificarem a si próprias, aos seus próprios olhos e aos olhos de Deus. E esta é a crueldade maior da teologia católica da pobreza, tal como muito bem expressa pelo juiz Vaz Patto.
Na cultura católica, os ricos e os desafogados, como o juiz Vaz Patto, precisam dos pobres e não podem passar sem eles. Não para os libertar da pobreza. Mas para que eles próprios possam chegar ao céu.
Foi para acabar com esta crueldade que o liberalismo nasceu e se desenvolveu.
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