O calvinismo, em que se inspira o liberalismo, inverte por completo o paradigma católico. O catolicismo vê na pobreza uma graça de Deus e na riqueza um estigma. O liberalismo vê na pobreza um estigma e na riqueza uma graça de Deus.
A solução liberal para um homem sair da pobreza e, eventualmente, se tornar rico é uma solução surpreendentemente simples - o trabalho humano.
É pelo trabalho que um homem se liberta da pobreza e responde à sua chamada. Este é o caminho para agradar Deus.
Evidentemente que esta solução - segundo a qual é pelo trabalho que um homem se liberta da pobreza e chega a Deus - necessita de algumas qualificações, particularmente duas.
Em primeiro lugar é necessário que esteja inserido numa cultura ou socioeconomia que promova as oportunidades de emprego. Em segundo lugar, é necessário que o caminho de cada homem esteja livre de quaisquer impedimentos ou obstáculos a fim de que ele possa atingir o seu destino.
Ora, é sobre este ponto que Adam Smith, no seu livro fundador do liberalismo se refere a Portugal frequentemente como um contra-exemplo.
Na altura da publicação de A Riqueza das Nações (1776), Portugal era governado pelo Marquês de Pombal, possuía vastas colónias e o ouro continuava a fluir do Brasil. Mas toda a actividade económica de relevo tinha o Estado lá metido, fosse para tributar, fosse para monopolizar, fosse para fiscalizar, fosse para burocratizar, fosse para impedir. Em Espanha a situação era idêntica.
Referindo-se ao controlo, pela Coroa, do comércio de metais preciosos vindos das colónias, Adam Smith escreveu que "A Espanha e Portugal, os países que possuem as minas, são, depois da Polónia [um país também fortemente católico], talvez os dois países mais miseráveis da Europa (…) Embora o sistema feudal tenha sido abolido em Espanha e Portugal, ele foi sucedido por outro que não é muito melhor".
Pela mesma altura, nas Conferências do Casino, Antero de Quental, exclamava tristemente: "Nunca um país recebeu tantos tesouros ficando ao mesmo tempo tão pobre".
O sistema a que Smith se refere é conhecido por mercantilismo cuja ideia directora é a de que um país é tanto mais rico quanto mais ouro o Estado acumular. A riqueza do país era identificada com a riqueza da Coroa, significando que os governantes - a aristocracia - controlavam vastos montantes de riqueza enquanto o povo agonizava na miséria.
Num país assim, qualquer homem que, pelo seu trabalho, desenvolvesse uma nova actividade lucrativa que o subtraísse à pobreza e, eventualmente o tornasse rico, tinha imediatamente a cabeça cortada pelo Estado - às vezes em sentido figurado, outras em sentido real -, que se intrometia no negócio para se apoderar dele, para o tributar, para o impedir, para o dificultar.
Passados mais de duzentos anos, ainda hoje é assim. Esta é a maior dificuldade que um partido liberal encontrará em Portugal. Tirar o Estado do caminho entre cada homem e o seu destino. E é este o significado religioso do liberalismo - manter livre o caminho da cada homem para Deus.
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