"Nunca conheci grande bem feito por aqueles que se dedicam a trabalhar para o bem público", é uma das frases mais repetidas de Adam Smith (cf. aqui).
O liberalismo (calvinismo) não inverte apenas o paradigma católico entre a pobreza e a riqueza, promovendo a riqueza e desprezando a pobreza. Inverte também o paradigma católico entre a actividade pública e a actividade privada, promovendo a actividade privada em detrimento da actividade pública.
Na cultura católica, o Estado é visto como o principal promotor do bem público. Na cultura liberal, ele é visto como o principal impedimento ao bem privado.
O Estado era rico, o povo era pobre em Portugal no tempo do Marquês, observou Smith a partir da Escócia, na sua perspectiva presbiteriana (cf. aqui). E, na realidade, em Portugal era mais fácil enriquecer a trabalhar para o Estado do que em qualquer actividade privada - e o Marquês foi um exemplo disso.
O Estado estava envolvido em toda a actividade económica que tivesse alguma expressão social, para a monopolizar, para a fiscalizar, para a regulamentar, para a dificultar e até para a criminalizar (excepto quando praticada pelos governantes). Quem quisesse enriquecer, o melhor que tinha a fazer era encostar-se ao Estado sob a aparência de estar a promover o bem público. O Marquês continuou aqui a ser um excelente exemplo.
Foi este panorama anti-liberal que chocou o liberal Adam Smith - o Estado e os funcionários públicos enriqueciam (com o Marquês à frente), enquanto o povo permanecia miserável.
Quando hoje a comunicação social anunciou uma das propostas do programa eleitoral da Iniciativa Liberal (cf. aqui), ocorreu-me que dois séculos e meio depois de Adam Smith, a primazia anti-liberal do funcionário público em Portugal sobre o trabalhador do sector privado permanecia intacta (e que só Salazar inverteu).
A proposta da Iniciativa Liberal consiste em isentar de impostos as horas que os trabalhadores do sector privado trabalham em excesso sobre os trabalhadores do sector público (40 contra 35 horas semanais).
A medida visa atenuar o privilégio dos funcionários públicos sobre os trabalhadores do sector privado, um privilégio que se exprime, não apenas no número de horas de trabalho, mas também em vencimentos.
O salário médio dos funcionários públicos é 60% mais elevado do que o dos trabalhadores do sector privado (1460 euros contra 913, cf. aqui) e os funcionários públicos trabalham menos 12.5% horas do que os do privado. A relação entre salário e número de horas trabalhadas é duas vezes melhor no sector público do que no sector privado.
Como Portugal não é um país liberal, enriquecer a trabalhar não é muito fácil neste país. Mas, ainda assim, quem quiser tentar a sua sorte, tem o dobro das probabilidades no sector público do que no sector privado.
A Iniciativa Liberal tem muito trabalho pela frente.
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