À distância de quase sessenta anos, parece que o estou a ouvir. Ele teria, por essa altura, oito ou nove anos, eu uns seis ou sete. Éramos amigos inseparáveis, a jogar à bola, a fazer corridas, a andar nos elevadores dos prédios da Avenida de Roma, a irmos os dois à chinchada.
Perante qualquer infortúnio, o golo falhado na baliza adversária, a porteira que abria a porta quando íamos a entrar no elevador, a dona da nespereira que assomava à janela quando nos propúnhamos subir à árvore, ele olhava para mim desalentado e exclamava: "Oh Peca....Pouco azar!..."
Todos tínhamos uma alcunha, eu era o Peca, ele era o Xixa. Chamava-se Felicíssimo. Nunca mais nos vimos desde a adolescência.
Foi dele que me lembrei quando soube da proximidade entre o juiz Pedro Vaz Patto e o eurodeputado Paulo Rangel (cf. aqui), e que o juiz Vaz Patto tinha sido escolhido - por certo, aleatoriamente - para dirimir um conflito entre mim e o eurodeputado Paulo Rangel no Tribunal da Relação do Porto. (cf. aqui).
Decidiu fortemente contra mim - à revelia da mais elementar jurisprudência do TEDH - e generosamente a favor do eurodeputado Paulo Rangel (cf. aqui). A vida tem destas coisas. "Pouco azar!...", pensei eu, lembrando-me do Xixa.
Mas o juiz Vaz Patto não foi apenas chamado - por certo, aleatoriamente - a dirimir o conflito entre mim e o eurodeputado Paulo Rangel. Também foi chamado a dirimir um conflito entre mim e uma poderosa corporação de advogados - a sociedade de advogados Cuatrecasas, com mais de mil advogados espalhados pelo mundo, e acima de uma centena em Portugal.
Também aqui decidiu fortemente contra mim, e a favor da corporação dos advogados, mantendo a indemnização de 5 mil euros e a multa de 4 mil euros a que eu havia sido condenado em primeira instância - à revelia da jurisprudência do TEDH.
Será que havia também alguma relação de proximidade entre o juiz Vaz Patto e a corporação dos advogados, semelhante àquela que eu descobrira entre ele e o Paulo Rangel?
Fui ver. A internet é a mais espantosa invenção da minha geração, e já não antecipo outra que a possa suplantar.
O juiz Vaz Patto é juiz, não advogado, mas ele escreve com uma certa regularidade no Boletim da Ordem dos Advogados (cf. aqui , pp. 28 e segs., e também aqui, curiosamente acompanhado do Paulo Rangel), que é uma publicação de natureza corporativa dos advogados. Foi o primeiro sinal de proximidade entre o juiz Vaz Patto e a corporação dos advogados que descortinei.
Depois, notei também que o juiz Pedro Vaz Patto é convidado com uma certa regularidade para participar em eventos patrocinados pela Ordem dos Advogados (cf. aqui e aqui, p. 31).
Mas a cereja em cima do bolo foi saber que a Ordem dos Advogados chega a disponibilizar a sua sede para o activista Pedro Vaz Patto poder propagandear as suas ideias políticas (cf. aqui). Na Ordem dos Advogados, o juiz Pedro Vaz Patto parece sentir-se em casa.
Juiz mais amigo da Ordem dos Advogados deve ser difícil de encontrar, e a amizade é recíproca. Que ele tenha sido escolhido - por certo, aleatoriamente - para dirimir um conflito entre mim e uma poderosa corporação de advogados, e que tenha decidido favoravelmente à corporação e contra mim, só pode ter sido azar meu.
"Oh Peca... Pouco azar!...", diria o meu amigo Xixa.
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