12 abril 2019

crimes que não existem

Eu acabo de ser condenado no Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui) por crimes que não existem na maior parte dos países democráticos que subscreveram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Trata-se dos chamados crimes contra a honra (difamação, ofensa a pessoa colectiva, injúria, calúnia).

Ao longo dos últimos anos, o Conselho da Europa - que administra a CEDH e do qual faz parte o TEDH - tem vindo a insistir junto dos países membros - Portugal é um deles -,  para descriminalizarem as ofensas à honra. E ainda recentemente fez mais um apelo (cf. aqui).

A razão é que nos países como mais frágil tradição democrática (como são notoriamente países como, por exemplo,  Portugal ou a Rússia) os crimes contra a honra são utilizados pelo poder político para limitar a liberdade de expressão e calar a oposição.

Por outras palavras, os crimes contra a honra são o veículo por excelência dos chamados processos políticos, aqueles em que o sistema de justiça é instrumentalizado para fazer política  .

As coisas correm tipicamente assim. Um jornalista ou um comentador afirma que existem suspeitas de corrupção no gabinete do político X. O político apresenta uma queixa-crime por difamação. O jornalista ou comentador acaba, por vezes, condenado porque os tribunais nacionais violam a jurisprudência do TEDH.

Resultado: nunca mais ninguém no país levanta suspeitas de corrupção sobre os políticos. E a corrupção no país vai reinar à vontade. Quem diz corrupção diz qualquer outro comportamento impróprio por parte dos políticos (v.g., situações de conflito de interesses).

A Rússia e a Turquia, pela sua dimensão e a sua frágil tradição democrática, são os países onde mais frequentemente a criminalização da honra é utilizada para calar os opositores políticos. Mas ajustando pela população, Portugal não lhes fica atrás. É o país mais vezes condenado pelo TEDH por violações do direito à liberdade de expressão (isto é, os tribunais portugueses condenam um cidadão por algum crime contra a honra e depois o TEDH condena o Estado português por o ter feito).

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