17 setembro 2018

Crimes em saldo (III)

(Continuação daqui)


III. Transacções fora-de-bolsa

A Bolsa de Valores do mercado de crimes envolvendo indemnizações cíveis é o tribunal, e existem várias instâncias. Mas também são permitidas transacções fora-da-bolsa.

Aparentemente, é praxe nestes casos as partes procurarem um acordo para evitar o julgamento.

Já todos tinham tomado o seu lugar na sala de audiências, quando a minha advogada pediu ao juiz se podia sair lá fora acompanhada por mim e pelo colega. Eu saí sem saber ao que ia.

No átrio, afastada de mim, ela falou primeiro com o Papá Encarnação. E depois veio junto de mim para me dizer:

-O meu colega desiste da acusação se pagar uma indemnização de 5 mil euros a entregar a uma instituição de caridade, e se fizer um pedido de desculpas ao Paulo Rangel e à Cuatrecasas registado em acta do tribunal.

Eu nem podia acreditar no que ouvia,

-Então crimes que valiam 100 mil euros vendiam-se agora ao preço da pechincha?,

e prontamente lhe respondi:

-Não. Prefiro ir a julgamento.

Ela foi de volta comunicar ao Papá Encarnação e regressámos os três à sala para dar início ao julgamento.

Nunca saberei ao certo o que terá ditado tão grandioso e inesperado desconto. Mas tenho uma tese. O maior elemento de surpresa que a Cuatrecasas e o Papá Encarnação tiveram neste processo foi o blogue Portugal Contemporâneo.

Logo depois da acusação ter sido produzida no Verão de 2017 até ao início do julgamento em Fevereiro deste ano, que eu nunca deixei de dar publicidade ao processo neste blogue, e com uma mensagem que era clara. Se tudo tinha começado por eu ter pronunciado na TV certas expressões como "palhaçada jurídica", eu deixava clara a mensagem de que a palhaçada jurídica ameaçava agora transformar-se, com o carimbo do Ministério Público,  numa "palhaçada judicial".

Inicialmente, visei sobretudo o Ministério Público e o Paulo Rangel, mas a Cuatrecasas aparecia por arrasto. Ora, a chave deste negócio - o de intimidar pessoas e tentar extorqui-las sob a ameaça dos tribunais -, é o sigilo. Convém que a coisa seja feita com a maior privacidade possível e no maior segredo, para que se possa de seguida ir fazer a mesma coisa a outro, sem levantar a indignação pública.

No dia do início do julgamento,  os advogados da Cuatrecasas já deviam pressentir que alguma coisa lhes estava a fugir ao controlo, que esta operação continha o risco de vir a público e arruinar operações futuras.

Daí, creio eu,  o enorme desconto que, através do Papá Encarnação, me propuseram para acabar o assunto ali. No dia seguinte mandariam para os jornais a notícia: "Pedro Arroja pede desculpa a Paulo Rangel e à sociedade de advogados Cuatrecasas e aceita pagar 5 mil euros a uma instituição de caridade".

Nesse dia, ao voltar a casa, enquanto reflectia sobre os acontecimentos e concebia o plano de acção para o futuro, lembro-me de ter ironizado:

-Olha, olha... pagar 5 mil euros ao Rangel e à Cuatrecasas por dois crimezecos de trazer por casa...Mas apesar de tudo, já é um preço mais razoável porque 100 mil era uma verdadeira exorbitância...Ainda se fosse por um crime de luxo, um crime Rolls Royce... como uma burla agravada envolvendo milhões de euros...ou um  homicídio qualificado com ocultação do cadáver...

Mas se já nessa altura os advogados da Cuatrecasas deviam pressentir que alguma coisa lhes estava a fugir ao controlo, o pior estava ainda para vir, e foi fatal para a sua credibilidade e do processo judicial. Nunca nos seus cem anos de existência, a Cuatrecasas terá visto aquilo que iria ver a seguir - um réu, utilizando as novas tecnologias de comunicação, a comentar, praticamente em directo, o seu próprio julgamento.

Em breve, o preço de saldo a que a Cuatrecasas e o Paulo Rangel me queriam agora vender os crimes de ofensas estava no blogue (cf. aqui), que é lido por pessoas de todas as profissões, incluindo jornalistas, médicos, economistas, advogados, magistrados do Ministério Público e até juízes. E não tardou muito até que chegasse ao grande público (cf. aqui).

2 comentários:

José Lopes da Silva disse...

https://sicnoticias.sapo.pt/pais/2018-09-19-Governo-lanca-novo-concurso-para-obras-na-ala-pediatrica-do-hospital-de-S.Joao

O Ministério das Finanças aceitou enterrar o Joãozinho com a desculpa mais clássica.

José Lopes da Silva disse...

www.facebook.com/ostruques

"Falámos aqui, em maio de 2016, do caso de plágio no qual esteve envolvido Nuno Luz.

A história conta-se rapidamente: Hugo Tavares da Silva, jornalista do Observador, escreveu um artigo onde contava uma história da qual tinha conhecimento pessoal, relativa a Kasper Schmeichel. Nuno Luz, umas semanas depois, escreve para a Marca um artigo onde conta a mesma história, sem fazer referência ao autor original.

Chamado à atenção no Twitter, reagiu de forma deselegante, reforçando a ideia de que tinha chegado à história de forma independente e, como tal, não existia plágio.

Contudo, a apropriação da história era evidente e Nuno Luz acabou por apagar os tweets. De acordo com Hugo Tavares da Silva, "o senhor Nuno Luz enviou-me dois longos emails a pedir muitas desculpas, responsabilizando o editor do jornal espanhol, numa versão que coincide pouco com os tweets apagados".

É aqui que a história - já de si meio indigna - fica mais negra.

Após denúncia do autor original, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas terá contactado Nuno Luz, que se recusou a responder. Terá dito o CDSJ (citação retirada do texto de HTS, com link abaixo): “Este CDSJ considera lamentável a ausência de resposta às pertinentes questões e observações do jornalista Hugo Tavares da Silva, na queixa formulada, que, pela gravidade das alegações, deve ser cabalmente esclarecida. (...) Não se trata, como se depreende dos excertos citados, de um plágio palavra a palavra, ipsis verbis, mas de uma acusação de utilização em nome próprio de matéria e contexto da autoria de outro jornalista, sem citar o seu autor ou o meio que publicou. E há, de facto, vários pontos no artigo de Nuno Luz publicado no jornal Marca que constam do artigo de Hugo Tavares da Silva, publicado quatro dias antes, no Observador. Não responder é ficar sob suspeita de práticas graves que em nada dignificam o jornalista em causa e o jornalismo".

A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista arquivou o caso, por ter ocorrido no estrangeiro: pelos vistos, as violações éticas dos seus membros encartados só relevam se forem feitas em Portugal. Fica explicada, finalmente, a falta de investigação sobre Sebastião Pereira, o jornalista mistério que andava a intrujar o El Mundo e, de caminho, a imprensa e leitores portugueses.




Contas feitas: Nuno Luz, que efetivamente esteve mal - e tê-lo-á assumido por e-mail ao autor original - sai de cena sem que nada lhe aconteça. Mas não sem pousar a cereja em cima do bolo: Nuno Luz processou, por difamação, Tiago Figueiredo, uma das muitas pessoas (entre as quais nós) que denunciou publicamente este caso.

É o cúmulo da impunidade: Nuno Luz pega na história de um colega, publica-a noutro jornal sem lhe dar qualquer crédito e ainda processa quem o acusa de plágio - uma tática conhecida de intimidação.




Faltam-nos adjetivos para qualificar esta série de acontecimentos, mas não nos pode faltar, nem a nós nem a ninguém, coragem para continuar a chamar à pedra o Nuno Luz e os que com ele habitam essa bela terra da impunidade."