Ao longo de dois anos e meio que fui comentador no Porto Canal, eu só falei uma vez do Paulo Rangel e da Cuatrecasas. Mas falei sobre muitos outros assuntos, de forma recorrente e frequententemente muito mais contundente.
Por exemplo, partidos políticos, ministério público, sistema de justiça, e ainda outros que a actualidade social e política ia trazendo para a ribalta, alguns dos quais é melhor nem sequer recordar aqui.
Sempre tive a convicção - que a minha própria advogada só viria a descobrir mais tarde -, que este era um julgamento político. Um julgamento que, embora esteja concentrado na obra do Joãozinho - um empreendimento já de si muito relevante do ponto de vista social e político -, existem outros assuntos que, ainda que de maneira não explícita, pairam naquele tribunal e pelos quais também estou a ser julgado (ou, certamente, acusado). São, pelo menos, três.
Todas as gerações tiveram necessidade de se demarcar da geração dos seus pais, e eu compreendo isso perfeitamente. A minha também o fez e eu próprio o fiz em pessoa. Cada geração precisa de novidade e de se rebelar contra aquilo que encontra no mundo, trazendo ela própria novidade ao mundo e deixando a sua marca - e este é um traço muito salutar da humanidade, sobretudo da humanidade cristã.
É necessário, porém, reconhecer que nem toda a novidade é uma boa coisa.
Dito isto, que sinais existem então de que o meu julgamento (mais precisamente, a acusação) tem um carácter político?
Existem vários, mas há um que sobreleva todos os outros.
No julgamento é possível contar até ao momento 24 pessoas directamente envolvidas. Uma juiz-de-instrução, um juiz de julgamento (isto é, um verdadeiro juiz), um réu, dois magistrados do MP, dois advogados de acusação, uma advogada de defesa, 13 testemunhas de acusação, uma testemunha de defesa e dois escrivães.
Qual é a idade média destas pessoas?
Está na casa dos 40 anos, talvez 45-47.
E o mais velho de todos?
Sou eu, o réu.
Significado: A geração que agora está aos comandos da sociedade está a julgar a geração anterior, personificada em mim.
Os mais novos a julgarem o mais velho. Os filhos a julgarem os pais (eu próprio já tenho um filho de 40 anos).
Pela razão e pela experiência, creio que devia ser ao contrário. O filhos que julgam os pais acabam inevitavelmente a julgar-se uns aos outros. E o resultado não é bonito.
Como responder a isto? Talvez com uma passagem de um livro do Papa Francisco recentemente publicado e dedicado aos mais jovens. É longa, mas vale a pena:
"Os corruptos estão na ordem do dia. Todavia, os jovens não devem aceitar a corrupção como se fosse um pecado como os outros, nunca devem acostumar-se à corrupção, porque aquilo que deixamos passar em branco hoje, amanhã ocorrerá de novo, até que façamos disso um hábito e também nós nos transformemos numa engrenagem indispensável.
Os jovens têm, a par dos anciãos, a pureza e juntos, jovens e anciãos, devem sentir-se orgulhosos de se encontrar de novo - limpos, puros, sãos - para traçar um percurso de vida em comum sem corrupção.
Preciso explicar melhor a ideia de pureza como conceito que une jovens e velhos.
Os jovens são puros porque sentiram na pele a corrupção, são de certa forma maleáveis ao presente e isto também pode revelar-se perigoso, porque a pureza que vivem pode transformar-se em qualquer coisa de feio, de impuro, de imundo, sobretudo se precisarem enfrentar repetidas tentativas de proselitismo e de adaptação em massa.
Com a velhice, falando em termos gerais, porque infelizmente nem todos os casos específicos são assim, os seres humanos retornam de certo modo ao seu estado "puro", já não têm a ânsia do êxito, do poder, já não estão condicionados pelo efémero como poderiam está-lo em adultos."
(Papa Francisco, uma conversa com Thomas Leoncini, Deus é Jovem, Lisboa: Planeta, Fevereiro 2018, pp. 59-60)
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