01 abril 2018

O Papá Encarnação (II)

(Continuação daqui)


II. Dorido


Antes da primeira sessão do julgamento - que teve lugar a 6 de Fevereiro -, ser interrompida para o almoço, o Papá Encarnação pediu ao Tribunal que, no recomeço da sessão, fosse passada a gravação das minhas declarações perante o Tribunal de Instrução Criminal.

O Tribunal acedeu.

Tenho de confessar que não percebi a lógica da coisa, tanto mais que, ao mesmo tempo, o Papá Encarnação exibia a transcrição em papel da gravação, que tinha à sua frente.

Quando voltámos à sala, perguntei à minha advogada o que é que ele quereria com aquilo. Tanto mais que a gravação tinha uma hora e trinta e dois minutos de extensão e iria ocupar quase a tarde inteira.

Ela esclareceu-me. "É a personalidade. O meu colega está concentrado na sua personalidade. Vai fazer-lhe perguntas depois. Não responda. O que está dito está dito".

Eu não sou um homem habitualmente zangado. Longe disso, a vida tem sido boa para mim. Mas, quando me zango, é a sério, e é assim em todas as coisas da minha vida.

Naquela gravação, que eu próprio gostei de ouvir, eu apareço e falar de forma afirmativa e determinada, a espaços zangada, e a minha ira atinge o auge precisamente no momento em que desfaço o Encarnaçãozinho.

Mas quem é que não se zanga quando está a ser falsamente acusado - ainda por cima por um puto, e em nome de um Rangel que quer passar por aquilo que não é? Já no meu comentário televisivo, que deu origem a tudo isto, na parte final eu apareço claramente zangado - e não era caso para menos.

A estratégia do Papá Encarnação era a de me fazer passar perante o tribunal como um louco agressivo. A loucura, concluiria eu mais tarde, derivava de eu querer fazer uma obra que era obviamente impossível - construir por via mecenática um hospital pediátrico no valor de 20 milhões de euros.

Quando terminou a gravação, e ele se preparava para me fazer perguntas, eu abanei a cabeça e cumpri escrupulosamente as instruções da minha advogada (coisa que nem sempre faço), dizendo-lhe: "O que está dito está dito".  (O réu tem a prerrogativa de não responder às perguntas que lhe são feitas).

A sessão terminou ali.

Estamos agora à beira da quarta sessão do julgamento. O Encarnaçãozinho ainda não abriu a boca e o Papá Encarnação sempre que se refere a mim é como "o réu" ou "o Dr. Pedro Arroja".

Eu percebo a provocação e compreendo que o Papá Encarnação esteja dorido.

Mas não ligo.

Há coisas que só se fazem uma vez na vida. Sobretudo quando saem bem.

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