01 abril 2018

O Papá Encarnação (I)

I. O Encarnaçãozinho



Só conheci o Papá Encarnação na primeira sessão do julgamento, em Fevereiro.

Quem eu já conhecia era o Encarnaçãozinho.

Foi em Junho do ano passado, quando compareci perante o Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos para me defender da queixa que tinha sido apresentada contra mim pelo Paulo Rangel e pela Cuatrecasas. Foi uma defesa infrutífera porque o caso acabou por seguir para julgamento.

Na queixa, para além de uma série de pieguices segundo as quais o Rangel tinha ficado muito afectado pelos meus comentários televisivos, ao ponto de ter ficado até triste, exaltava-se a pessoa do Rangel e, naturalmente, diminuía-se a minha.

O Rangel era Professor nesta universidade.... e também Professor naquela ... Autor deste artigo...e também Autor de mais aquele...Conferencista aqui...e Conferencista acolá... recebera o Prémio disto ...e mais o Prémio daquilo. Eu, pelo contrário, escrevia artigos para jornais e também escrevia nos blogues.

A queixa era assinada pelo advogado Adriano Encarnação e, na altura, eu não sabia que existiam dois Encarnações. Desconhecia mesmo o nome da instituição jurídica do substabelecimento, mediante a qual um advogado pode delegar uma diligência judicial noutro. Ao espírito de um economista, substabelecimento sugere mais a ideia de um armazém na cave de um estabelecimento.

Antes de entrar na sala, chegou um advogado que só poderia ser o advogado de acusação. Era o jovem Encarnação. Eu olhei para ele e pensei: "Mas quem é este fedelho que se atreve a acusar e a depreciar um homem que tem idade para ser pai dele, senão mesmo avô - e ainda por cima a acusar um homem inocente?".

Todo este processo judicial tem em vista, entre outros objectivos, desacreditar-me e humilhar-me. E eu percebi desde o início que, dentro do processo judicial, e a curto prazo pelo menos, esta era uma batalha perdida. Tinha de aguentar. As ocasiões em que eu iria ser humilhado seriam muito maiores do que aquelas que eu teria para retribuir.

Graças, a Deus, a primeira ocorreu precisamente durante a sessão instrutória e teve o Encarnaçãozinho como protagonista.

Depois de eu ter feito o meu depoimento, a juiz-de instrução passou a palavra ao magistrado do Ministério Público para me interrogar, e logo a seguir, ao advogado de acusação. Ele começou assim:

-O Dr. Pedro Arroja...

E já nem passou dali. Eu estava de pé, num plano superior, e com ele a dois metros de distância, do meu lado direito. Este "privilégio" que se dá ao réu, de ser o único a ter de falar de pé, enquanto todos os outros podem falar sentados, às vezes tem os seus benefícios.

E foi o caso. Lá do alto e a olhar para ele em baixo, apontei-lhe o dedo, interrompi-o, levantei a voz, e disparei de rajada:

-O senhor trata-me com respeito!...Vem para aqui acusar-me de ofender o Dr. Paulo Rangel... e é o senhor que, em nome dele, me está a ofender a mim!...O senhor está a falar com um verdadeiro Professor... e não com um mero licenciado!...Eu não sou como o seu cliente que é um usurpador de títulos académicos!...

e fui por ali fora sem parar durante uns trinta ou quarenta segundos.

No fim, quando o jovem Encarnação quis retomar a palavra, gaguejava por todos os lados.

E até a juiz-de-instrução já não sabia como me tratar.

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