Eu nunca tinha assistido a um julgamento completo. E tenho de admitir que, a primeira vez que assistisse, não contava fazê-lo do lugar em que me encontro - o banco dos réus.
Quem são as partes no julgamento, em particular, quais são aquelas que estão permanentemente presentes na sala de audiências?
Descontando as pessoas que estão lá para assistir, as testemunhas não são uma dessas partes permanentemente presentes. As testemunhas não podem assistir ao julgamento. Entram na sala, são interrogadas, e saem logo de seguida.
Então, quais as partes que ficam lá de modo permanente e que funções desempenham?
São cinco.
O juiz, cuja função é julgar.
O réu, cuja função é ser julgado.
O magistrado do Ministério Público que representa o acusador oficial - o Estado.
O advogado de acusação, que representa o acusador particular (*)
O advogado de defesa, que representa a defesa do réu (**).
Suponhamos agora que eu chamo um especialista em probabilidades para se pronunciar sobre o que vê. Para já, vou eu próprio desempenhar esse papel porque sei alguma coisa do assunto.
A primeira observação que se me oferece é a de que, vendo duas partes do lado da acusação e uma só do lado da defesa, a probabilidade a priori de o réu ser condenado é 2/3 ou 66.6%.
Mas logo de seguida, reparando num detalhe, vou alterar esta probabilidade - e para cima.
O detalhe é que o acusador oficial se senta na tribuna, à direita do juiz, uma honraria que não é concedida à defesa. A acusação (oficial) é mais considerada do que a defesa. Não é fácil quantificar probabilisticamente honrarias. A avaliação é subjectiva. Depois de ponderar, a minha estimativa final da probabilidade a priori de o réu ser condenado sobe para a casa dos 80 a 90%. Qualquer outro probabilista como eu chegaria a um valor desta ordem.
Conclusão: o nosso sistema de justiça está enviesado para condenar. É um jogo em que, à partida, um dos lados está em vantagem. E é o lado errado - o da acusação.
A Justiça é frequentemente representada por uma balança de pratos equilibrados, de modo a ser um jogo justo e imparcial, com 50% de probabilidades de sucesso, a priori, para cada uma das partes.
Às vezes, a Justiça é representada por uma balança com os pratos ligeiramente em desequilíbrio, mas o prato ligeiramente mais alto, aquele que é favorecido, é o da defesa, não o da acusação.
A razão é que existem erros judiciais. As sentenças são quase sempre proferidas com uma certa margem de incerteza, significando que o juiz pode errar.
Existem dois tipos de erros judiciais possíveis: condenar uma pessoa inocente (a que os probabilistas chamam Erro Tipo I), ou absolver um criminoso (Erro Tipo II). Entre os dois, o pior é o Erro Tipo I - condenar um inocente. Ora, este erro só acontece quando o juiz condena (pelo contrário, o Erro Tipo II só acontece quando o juiz absolve).
É precisamente para minimizar este erro que um verdadeiro sistema de justiça deve estar desde o início ligeiramente enviesado contra a condenação, em favor do réu e da defesa. Ora, aquilo que o nosso sistema de justiça faz é abundantemente ao contrário.
Pergunta final: E como seria este julgamento num país com um sistema de justiça verdadeiramente democrático e justo?
O Ministério Público não estaria lá. Estariam os advogados de acusação contra os advogados defesa, uma parte contra a outra, um contra um, 50% para cada lado, o juiz ao meio como árbitro, competindo-lhe favorecer ligeiramente a defesa (até para se proteger a si próprio do mais catastrófico dos erros judiciais - condenar um inocente).
(*) Paulo Rangel/Cuatrecasas. Qualquer das partes se pode fazer representar por mais do que uma pessoa. Neste caso concreto, apenas a acusação particular o faz - pelos advogados Adriano e Ricardo Encarnação. (Trata-se de um gesto simbólico - mais um salamaleque - para impressionar o tribunal. A sociedade Miguel Veiga, que representa a Cuatrecasas, dá tanta importância a este caso que destaca nada menos que dois advogados para o julgamento).
(**) No caso concreto, é a única mulher entre as partes.
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