27 novembro 2017

por exemplo

Num caso destes, o que é as testemunhas vão fazer ao julgamento?

Os crimes, a existirem, foram cometidos na televisão e estão em vídeo na internet. Não há nada que as testemunhas possam acrescentar para esclarecer as circunstâncias do crime.

Mas, então, o que é que elas lá vão fazer, e por que é que eu não designarei testemunhas?

Tradicionalmente em Portugal, em que o direito à liberdade de expressão não existia - e em que só  lentamente se tem vindo a impor -, parte-se do direito à honra para depois avaliar se o direito à liberdade de expressão justifica a ofensa à honra do ofendido. E isto faz-se chamando o réu a provar que as ofensas ("politiqueiro", etc.) são verdadeiras, isto é, o julgamento gira todo em torno da "exceptio veritatis".

As testemunhas de acusação desfilam, então, umas atrás das outras para dizer que o ofendido é uma pessoa muito honrada, um político de extraordinários talentos e  um insigne jurista. Pelo contrário, as testemunhas de defesa vão dizer bem do réu que -, ao contrário do que possa parecer  - não é uma pessoa ofensiva e caluniosa, mas um cidadão muito bem comportado. Porém, isto nada adianta porque não é a honra do réu que está a ser discutida, mas a do ofendido.

Lá haverá uma testemunha de defesa  mais afoita a atribuir ao ofendido os mesmos adjectivos que o réu lhe atribuiu, correndo embora o risco de amanhã estar sentada no banco dos réus e pelas mesmas razões do réu. Por isso mesmo, neste espectáculo, as testemunhas de acusação são em geral muito mais numerosas e assertivas do que as testemunhas de defesa, inclinando o julgamento em favor da acusação. A acusação tem, por isso,  todo o interesse em montar este espectáculo.

Trata-se, em suma, do espectáculo da "exceptio veritatis" segundo o qual, na jurisprudência tradicional, a acusação imputa ao réu a necessidade de provar que são verdadeiras as afirmações que proferiu em relação ao ofendido..

Na jurisprudência moderna e democrática do TEDH, faz-se exactamente ao contrário. Parte-se do direito à liberdade de expressão do réu para depois ver se o direito à honra do ofendido justifica restringir o primeiro - e a resposta é invariavelmente negativa porque o direito à honra é uma espécie em vias de extinção (na realidade, foi há muito extinto em vários países do norte da Europa). Prevalece o direito à liberdade de expressão.

Neste processo, a "exceptio veritatis" - obrigar o réu a provar a verdade daquilo que, por natureza, é impossível  provar (aqui, ponto 5) - é, obviamente, dispensada. Por outras palavras, a jurisprudência do TEDH considera o "espectáculo" da "exceptio veritatis" uma pura perda de tempo.

Compreende-se agora porque é que eu não levarei testemunhas para o julgamento. A acusação vai levá-las de certeza porque o "espectáculo" a favorece. Quanto muito, depois de todas as testemunhas de acusação desfilarem no tribunal a dizer bem do ofendido, eu serei capaz de entregar ao tribunal uma colecção de artigos retirados da internet - os quais substituem as testemunhas que eu poderia ter convocado -  só para mostrar que há pessoas que têm uma opinião muito diferente acerca dele.

Na colecção estará, por exemplo, este artigo.

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