O estatuto de arguido - uma originalidade não exclusivamente portuguesa - é o primeiro passo no caminho que pode levar um cidadão a ser considerado um criminoso.
É um estigma social ("Ele tem problemas com a justiça...") e implica a restrição de certos direitos cívicos, como a liberdade de se ausentar do país.
A partir daí o cidadão passa a estar sob a alçada do Ministério Público que pode pronunciar acusação contra ele e, mais tarde, em tribunal, ser condenado. Ou pode nada disto acontecer.
O arguido não é ainda - e pode nunca vir a ser - um criminoso. Mas o estatuto de arguido é o primeiro passo para a criminalização de um cidadão.
A estatística dos arguidos em Portugal está apresentada aqui, acompanhada de um gráfico.
O número de arguidos no país diminuiu na década de 60 e na passagem para a década de 70, na qual se manteve praticamente estável, não ultrapassando a barreira dos 30 mil. No ano de 1974, o ano da revolução democrática, atingiu mesmo um mínimo.
Em 1980 não chegava ainda aos 30 mil, mas é a partir daí que dispara. E de tal modo que em 2008 quase quintuplicava, atingindo mais de 140 mil.
Ninguém acredita que a criminalidade aumentou 5 vezes em Portugal entre 1980 e 2008.
Então o que é que se passou?
Foi o Ministério Público a produzir "criminosos".
Não dos verdadeiros, porque esses - que também estão incluídos nas estatísticas - se produzem espontaneamente. Mas dos falsos, pessoas inocentes criminalizadas pelo Ministério Público.
De facto, uma das poucas conclusões certas que se podem tirar destas estatísticas é a de que o Ministério Público criminaliza cidadãos inocentes aos milhares. E essa certeza advém de continuar a ler as estatísticas, mas agora a partir do ano de 2012.
Entre 2012 e 2014 o número de arguidos cai de 120 para 80 mil.
E porquê, o que é que se passou em 2012?
É o primeiro ano de implementação do plano da Troika. Entre as muitas exigências que a Troika impôs ao Estado português para lhe emprestar dinheiro figurava a de que o sistema de Justiça fosse limpo de todos os processos judiciais fúteis, aqueles que não tinham a mínima probabilidade de algum dia virem a produzir condenações em tribunal. Representavam um custo para o Estado e era uma injustiça manter pessoas inocentes incriminadas.
E, de repente, no curto espaço de dois anos desapareceram do país 40 mil "criminosos" que o Ministério Público estava pacientemente a fabricar.
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