É muito corrente uma pessoa que, como eu, passou a estar sob a alçada da Justiça vir a público dizer que, a partir de agora, não se pronuncia mais sobre o caso, que aguarda serenamente o julgamento e que confia plenamente nos tribunais e na Justiça.
Ora, é isso precisamente que eu nunca direi porque eu não confio na Justiça. E esta desconfiança é muito democrática porque interpreta o sentimento da maioria dos portugueses, os quais também não confiam na Justiça. (Nos inquéritos de opinião, como este, a Justiça é consistentemente considerada a instituição em que os portugueses menos confiam)
É a quarta vez na minha vida que o poder político procura utilizar a Justiça para me criminalizar. Em três dessas vezes, a iniciativa partiu de políticos ou governantes do PSD, como é o caso que venho a tratar (a queixa-crime foi apresentada em 2015, estava ainda o PSD no poder). No outro caso, foi o Bloco de Esquerda.
Tenho de admitir, porém, que esta é a ofensiva mais bem organizada e poderosa e, para já, a que foi mais longe - o caso vai a julgamento porque o Ministério Público decidiu pronunciar acusação. Todas as outras ficaram pelo caminho.
E porquê, por que é que desta vez foi mais longe?
Primeiro, está em causa um político importante do PSD e o PSD estava, na altura, no poder - e também uma sociedade de advogados (Cuatrecasas), de que ele era director, e que está ligada ao PSD. A representar os queixosos está também uma sociedade de advogados ligada ao PSD, a qual ostenta "Miguel Veiga" na sua designação social, um "barão" do partido (recentemente falecido).
Foram chamadas sete (sete!) testemunhas de acusação, quatro das quais são advogados. De maneira que eu tenho desta vez um batalhão de advogados contra mim - eu que nem sequer sou jurista.
E vou chegar para todos eles?
Creio que sim - e precisamente por não ser jurista.
Segundo, e mais importante. Estes advogados, que são do Porto, presumo que passam uma boa parte da sua vida nos tribunais do Porto e arredores - Matosinhos, V. N. Gaia, etc. É natural que conheçam os magistrados do Ministério Público que aí trabalham.
Eu é que não os conheço de certeza porque não faço vida em tribunais.
É natural que entre todos eles, para além das relações profissionais que são obrigados a estabelecer por dever de ofício, com o decorrer do tempo se estabeleçam também relações pessoais e até de amizade. Estas relações podem ter sido aqui um factor.
Acresce que o Ministério Público está altamente partidarizado, e como o PSD estava no poder, nada de mais natural um entendimento explícito ou implícito entre advogados e magistrados do mesmo partido: "Vocês apresentam queixa contra ele que nós depois tratamos do resto".
É que, ao longo de quase três anos como comentador no Porto Canal, quem eu mais critiquei não foi o Paulo Rangel e a sociedade de advogados Cuatrecasas. Só o fiz uma vez. Foi o Ministério Público e quase sempre de forma contundente.
São indícios - para utilizar uma expressão técnica tão cara ao Ministério Público - de que existe aqui uma associação de malfeitores envolvendo advogados e magistrados do MP (*) para criminalizar um cidadão inocente. Deviam ir a julgamento, porque o próprio Ministério Público manda para julgamento as pessoas somente com base em indícios.
Excepto que os magistrados do Ministério Público, no exercício das suas funções, e também os advogados, gozam de um estatuto de imunidade. E é isso que faz toda a diferença - que eu vá a julgamento e eles não. Em ambos os casos, com base em indícios.
O que sinto neste momento? Como se Deus me tivesse dito: "Então, agora que te pus à frente o caso ideal para tu provares a verdade das tuas críticas à Justiça, não avanças?....".
Claro que avanço. E se, há três semanas, eu saí muito feliz do Tribunal de Matosinhos, não me tenho sentido menos feliz nos últimos dias a escrever para o Portugal Contemporâneo.
(*) Para já só conheço o nome de um deles: António Prado e Castro.
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