A pega de caras é a fase da Tourada em que o homem está em maior desvantagem perante a besta - a besta pode matar o homem enquanto o homem dificilmente consegue matar a besta.
Esta desvantagem atenua-se no toureio a cavalo. Ele próprio montado numa besta, o toureiro enfrenta a besta do alto e com maior agilidade para fugir dela.
É no toureio a pé que ocorre o único momento em que o homem tem vantagem sobre a besta, o único momento em que as probabilidades se invertem, em que o homem pode matar a besta mais do que a besta pode matar o homem.
O toureio a pé começa ainda em desvantagem para o homem, que enfrenta a besta com um pano. Tudo se altera, porém, no momento em que o toureiro desembainha a espada. É o momento - o único momento da Tourada - em que o homem tem vantagem sobre a besta.
O significado cultural deste momento é inesquecível. Um homem munido de uma arma é capaz de ser uma besta ainda maior do que a própria besta. E a generalização é inevitável. Um homem ou uma instituição, tendo atrás de si um aparato de armas, é capaz de ser a maior de todas as bestas.
Chegado aqui, é altura de perguntar: E de que era feita a espada de Cristo?
Da Palavra, somente da Palavra?
"No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo:1:1).
Joseph Ratzinger, o grande teólogo católico, que dedicou uma boa parte da sua vida ao estudo da relação entre a fé e a razão, nunca se sentiu confortável com o vocábulo verbo, de origem latina, que significa precisamente palavra. Foi ao original grego da Bíblia buscar a palavra logos,
que está lá no lugar de verbo, e que significa mais do que palavra. Significa a palavra que exprime um pensamento racional.
Era um progresso, mas ainda assim um progresso insuficiente, aos meus olhos. Havia algo mais na palavra de Cristo do que pensamento racional . Ele às vezes parece mesmo muito irracional. Faltava-me a palavra para o exprimir e, sem a palavra, eu jamais conseguiria chegar à ideia que procurava.
Foi então que aconteceu um milagre. Aconteceu esta manhã. A propósito deste post, uma leitora chegou à caixa de comentários e soprou-me ao ouvido: "Pensamento nu, como lhe chamou Longino. É uma forma do sublime".
Pensamento nu. Era esse o pensamento de Cristo, o pensamento que vem do coração e perante o qual até as guardas da razão se baixam: "Esta é a Verdade, e é a Verdade que eu vou dizer, quaisquer que sejam as consequências".
Era esta a espada de Cristo.
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