31 agosto 2016

o excepcionalismo católico

Os pais fundadores americanos eram quase todos calvinistas, e por isso enfatizaram a igualdade entre os homens. Se fossem católicos, teriam enfatizado a diferença. Ao tempo, no seu país de origem - a Grã-Bretanha - e, portanto, também na colónia americana, o catolicismo estava proibido.

O catolicismo reconhece que os homens são criados iguais e diferentes, e portanto reconhece explicitamente a verdade. Mas, se tiver de escolher ou hierarquizar entre a igualdade e a diferença, ele escolhe a diferença - a diferença entre os homens é mais importante do que a igualdade que existe entre eles.

Neste aspecto, o catolicismo é fiel ao cristianismo. Aquilo que levou Cristo a ser reconhecido como Filho de Deus foi a diferença que existia entre Ele e os outros homens, não a igualdade. Cristo foi, acima de tudo, uma personalidade extraordinária, absolutamente excepcional ou invulgar.

O apelo que Cristo faz para que o sigam não é para que levem a mesma vida que ele, mas para que exprimam como ele, numa personalidade única e irrepetível, as capacidades que Deus deu a cada um. Por isso, o ênfase que o catolicismo põe na diferença, em detrimento da igualdade, é frequentemente referido como personalismo católico.

Seria, pois, muito interessante saber, como referi no post anterior, como seria o sistema político americano se os seus pais fundadores tivessem escrito "We hold these truths to be self-evidente that all men are created different...". Uma democracia de sufrágio universal, tal como a conhecemos hoje, em que cada pessoa tem o mesmo peso que qualquer outra nas decisões colectivas, não seria de certeza.

O personalismo católico, a ideia de que cada homem é diferente de todos os outros, e que essa diferença se encontra sobretudo na sua personalidade (mais do que em diferenças físicas), tornando-o um ser único e irrepetível, quando levada ao exagero e ao abuso, produz um vício - o excepcionalismo católico.

O excepcionalismo católico é a ideia de que eu não apenas sou diferente dos outros, mas que eu sou uma excepção. Quando este vício se generaliza numa sociedade, e todos se consideram excepções, a própria palavra excepção perde o sentido.

Não apenas isso: mata-se a razão. O diálogo social torna-se impossível e cai-se no anarquismo. Não é possível obter assentimento sobre um conjunto de regras sociais (leis, comportamentos, normas de convivência, etc.) que sirvam minimamente a todos, porque existe sempre quem se considere uma excepção.

A tendência que tem sido reconhecida às sociedades de cultura católica para caírem na anarquia tem a sua origem aqui.

4 comentários:

José Lopes da Silva disse...

Não vá o PA pensar que estou a ser irritante ou provocativo, e voltando a Toffler, este autor sugere, n' A Terceira Vaga, que o sistema político actual foi o que herdámos do século XVIII e que é a única estrutura social e política relevante que não mudou nada desde então, e que está obsoleto. Nesse sentido, precisaremos de uma democracia diferente, mais aprofundada, e aproveitando os recursos que a tecnologia oferece agora.

Poderia partir da Igreja Católica a ideia de aprofundar a democracia, tornando-a mais directa, tornando determinados referendos sobre situações concretas e específicas mais habituais, e atribuindo direito de voto a determinadas pessoas com determinada experiência ou qualificação sobre a matéria.

É uma tradição católica: dizia-se durante o Estado Novo que "em Portugal temos um único especialista em...", como ainda hoje temos uma única autoridade em dinossauros, o prof. Galopim de Carvalho.

Mas claro, eventualmente este assunto não interessará ao PA porque a ideologia de base de Toffler não estava relacionada com a Igreja.

José** disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José** disse...

Prof.,
Este artigo faz uma deducção interesante e a meditar.
Cumps.

Pedro Sá disse...

O PA não há meio de aprender que a cultura de cada país ou região é que influencia as religiões e mais ainda as práticas religiosas e não o contrário...e para isso basta contrapor a religião sentida e vivida pelo povo com a falsidade, hipocrisia e pseudo-racionalismo da prática burguesa da religião.

Acresce que George Washington era anglicano-episcopal e John Adams, Thomas Jefferson e James Madison eram cristãos não denominacionais, com tendências deístas (basta ver as páginas da Wikipedia em inglês). Apenas Adams tinha um background familiar calvinista.