21 fevereiro 2016

Tabú?


O manifesto sobre a eutanásia tem sido apresentado como um abanão sobre um assunto que tradicionalmente é tabú em Portugal.

Tabú?

Os portugueses são talvez o primeiro povo da Europa a falar e a discutir abertamente a eutanásia. Eles foram encontrar tradições eutanásicas entre as tribos brasileiras (e, provavelmente, antes, nas tribos africanas e nos povos da Ásia).

Estou certo que, se formos procurar, encontraremos discussões e opiniões abertas sobre a eutanásia nas cartas dos padres que chegaram primeiro ao Brasil. Estou até a imaginar-me pároco nos confins da Amazónia e a reportar sobre o assunto ao meu Bispo:

"Tenho visto de tudo. Há casos em que a morte é administrada a doentes em sofrimento terminal extremo e sofrendo de males para os quais não existe cura, e nestes casos a eutanásia até parece uma solução de humanidade. Noutros casos, é administrada a morte a doentes terminais sofrendo de males que eles aqui consideram incuráveis, mas para os quais nós já temos medicamentos eficazes na Europa. E nos últimos dois anos, em que tem havido uma grande crise económica e os alimentos são escassos, eles aproveitam esta cultura de morte para matar todos os enfermos, e até os velhos e os estropiados. Uma verdadeira selvajaria."

Em Roma, ao longo dos séculos, quantos relatórios sobre a eutanásia terão sido recebidos de padres católicos presentes nos quatro cantos do mundo (nem todos certamente desfavoráveis a ela)?

Muito antes disso, a cultura católica começou por integrar as culturas grega e romana, onde a eutanásia também era praticada. Desde muito cedo, portanto, que a elite católica em Roma teve de decidir se a tradição da eutanásia era uma tradição particular, que certos povos consideravam boa e praticavam, ou uma tradição universal (católica=universal), boa para toda a humanidade ou bem-comum.

E há muito que decidiram. Não é uma tradição boa para toda a humanidade, portanto permanecerá, onde existe, como uma tradição local (que deve ser desencorajada), mas não fará parte da Tradição católica ou universal. Portanto, não à eutanásia.

Conhece alguém, ou alguma instituição mais competente do que a Igreja Católica, que desde há séculos se debruça sobre o tema e tem observadores em todos os recantos do mundo, para se pronunciar sobre a eutanásia e as suas consequências?

Eu não conheço.

Um detalhe final:  os padres católicos ao longo dos séculos, e ao contrário dos intelectuais, não falam de cor a partir de gabinetes. Eles vivem, e sempre viveram,  lá no meio das populações que praticam ou praticaram a eutanásia e puderam observar as suas consequências com os seus próprios olhos. Eles formam a sua opinião com base na realidade, não com base nos apriorismos da razão.

4 comentários:

zazie disse...

Também praticavam uma eutanásia mais utilitária que esta moderna que os selvagens de agora querem impingir.

Papavam-nos.

zazie disse...

E, tanto paparem e os homens preferirem as partes boas do produto e deixarem para as mulheres e crianças a mioleira, que às tantas apareceu o kuru.

O malvado kuru tão parecido com certas demências modernas que impingem como fruto de senilidade (quando o não são) e que só foi exterminado quando o mau hábito canibal também foi erradicados pelos malandros dos reaccionários dos missionários católicos.

Ricciardi disse...

Let it flow. Eu já aqui referi uma acta duma reuniao de bispos no Vaticano acerca da eutanásia. Nesse doc é dito, com claridade, que não sendo admissível a eutanásia, é permitido nos casos de sofrimento intolerante a administração de drogas para minorar o sofrimento. O mais relevante da mensagem, porém, é na altura (comum) em que as drogas vão fazendo menos efeito. Nessa altura defende a Igreja que se pode aumentar a dosagem para lá do normal, mesmo que isso provoque ou antecipe a morte ao doente.
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Ora, de forma indelével, como se pode ver, a Igreja abre a porta à eutánasia nestes casos específicos de sofrimentos intolerável. Este e não outro tipo de sofrimento.
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O que vem reforcar a ideia de q a Igreja tem muita experiência de campo e que sabe bem que é inevitávelmente misericordoso acabar com sofrimento intolerante.
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Rb


Pedro Sá disse...

Hummm não me cheira que tenha havido grande discussão sobre o assunto antes do século XIX, isto é, da Igreja Católica com pensamento de raiz burguesa.