27 maio 2012

Tenho uma fada

Eu nunca pensei que o facto de não saber estrelar ovos, e de o declarar publicamente, motivasse tantas especulações, tanta intelectualidade de primeiro nível,  incluindo deduções, presunções, juizos de valor, inferências e até lições de moral.

E, no entanto, não existe nenhum mistério. Estrelar ovos não é a principal coisa essencial à vida, mas que eu não sei fazer na vida. Existem outras.

Desde há mais de trinta anos que eu não uso uma peça de roupa que tenha sido comprada por mim - umas calças, uma camisa, uns sapatos, uma gravata, umas cuecas,  umas peúgas.

Durante este período, eu terei usado milhares de peças de roupa diferentes. Nenhuma foi comprada por mim. Mais, eu nem sequer estive presente nos actos de compra. Não fui eu a escolhê-las, nem sequer chamado a dar opinião. Nos últimos trinta anos a única coisa que eu ponho diariamente no corpo e que foi escolhida por mim são os óculos. Mais nada, rigorosamente mais nada. Nem os relógios que durante este período usei.

Como assim, como é que um homem consegue viver tanto tempo sem comprar uma única peça de roupa, sem sequer estar preente para dar a sua opinião sobre aquilo que ele próprio vai vestir e usar?

Tenho uma fada.



Tenho uma fada, que volta-não-volta, chega a casa, com um par de sapatos de homem e me diz: "Comprei-te estes sapatos. Gostas?". Eu digo que sim.

Na semana seguinte: "Trouxe-te aqui estas camisas e estas gravatas que ficam muito bem com as camisas. Gostas?" E eu sempre: "Gosto".

Quinze dias depois: "Passei  pela DDO e mandei cá entregar dois fatos. Hás-de prová-los para ver se te ficam bem". E eu: "Está bem".

Mas tendo-me assim desabituado de escolher roupa, de saber qual a  camisa que fica bem com cada fato, e qual a gravata que fica bem com cada camisa, como resolvo eu o problema de escolher, cada manhã, a roupa que vou vestir nesse dia?

Tenho uma fada.

Tenho uma fada que, na véspera ou no próprio dia de manhã, me pergunta o que vou fazer nesse dia.

E, assim, eu acordo cada manhã, faço a barba, tomo duche e, quando saio da casa de banho, lá está acamadinha sobre uma cadeira ou sobre a cama a roupa que eu vou vestir nesse dia, o fato, a camisa sobre o casaco, a gravata sobre a camisa, o cinto, tudo a condizer, as cuecas e as peúgas, e no chão, os sapatos que ficam bem com o resto.

Tenho um fada.

10 comentários:

Anónimo disse...

Que sorte, por um lado, pois pode ter falta de gosto, de prazer, de entusiasmo, blá, blá.
Azar por outro, porque lá dentro, muito bem escondidinho, poderá estar o carisma de um infante que sua Mãe não conseguiu tornar independente.
Mas, PARABÈNS. Tem uma fada! É isso que importa!
Ralado andaria Vexa se tivesse uma bruxa...

Anónimo disse...

Gostei do texto. É bom ter "uma fada" assim por perto.

Anónimo disse...

Sortudo!

Anónimo disse...

Eu sei que é feio sentir inveja, mas que sinto, sinto!

Anónimo disse...

O Pedro não tem uma fada, tem é uma mãezinha.
É sempre aflitivo ver um homem adulto reduzido a esta condição de quase incapaz , dependente para tudo do cuidado feminino como se fosse uma criança de dois anos.

Anónimo disse...

Tambem tenho uma fada!!! Pensava que era o unico.

E porque? Porque ela nao se importa e o faz muito melhor que eu.

Elaites

Pedro Sá disse...

Por favor PA...nem a sua própria roupa sabe escolher? :S :S :S :S

Anónimo disse...

«como é que um homem consegue viver tanto tempo sem comprar uma única peça de roupa»
A outra face da moeda:
Como é que uma mulher, conseguiria viver tanto tempo sem comprar uma única peça de roupa, um par de sapatos, uma mala?
A China de Mao bem tentou, quando fez adoptar uma farda pela população, tendo acabado por desistir.
Era contra a natureza humana.
Monti

Renato disse...

Se é comigo, não intelectualizei nada. O PA é que se farta de fazer antropologia. Apenas me faz impressão que um “maduro” tenha de depender da mulher para tudo. Também há mulheres assim, mas cá é raro, a não ser em certas classes. Conheci uma inglesa que foi “criada” pela ama até casar e também não sabia estrelar um ovo. Era casada com um português que fazia tudo. Normalmente, os portugueses da geração do PA sabem fazer de tudo. Agora é que os rapazinhos só saem de casa aos trinta anos e não sabem fazer nada. Quando saem de casa, telefonam ás mãezinhas a perguntar como é que se faz uma omolete ou que quantidade de água têm de meter na panela para fazer arroz.

Harry Lime disse...

Eu funciono mais ou menos assim. Mas não tenho fada. Mas tenho bom senso e obrigo amim proprio a não gastra mais de 30 minutos para comprar um fato e mais de 5 para comprar uma camisa ou uma gravata.

Roupao de fim de seman? calças de ganga, t-shirts, tenis e est´á a andar :):):)

Por sdia não gasto mais de 10 segundos a escolhera roupa. E as "damas" adoram o meu estilo :):):):)

Rui Silva