Marxismo é determinismo com outra roupa
O marxismo apresenta-se como uma teoria de emancipação. Mas, por baixo da linguagem política e moral, esconde uma matriz filosófica bem mais antiga e problemática: o determinismo. O que muda não é a lógica profunda, mas o vocabulário. Onde antes se falava de “necessidade natural”, passa-se a falar de “leis da História”. Onde havia causalidade física, surge causalidade económica. A roupa muda; o corpo permanece.
As raízes deste determinismo não nascem com Karl Marx. Elas remontam a Baruch Spinoza, para quem a liberdade não passava de ignorância das causas, e a Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que via a História como um processo racional necessário, avançando por etapas inevitáveis. Marx limita-se a inverter Hegel: retira o Espírito e coloca a matéria, mas conserva a estrutura da necessidade histórica.
É com Friedrich Engels que esta herança se cristaliza. Ao falar de “socialismo científico”, Engels transforma uma crítica social numa pretensa ciência da História. Capitalismo, crise, socialismo e comunismo passam a ser apresentados não como opções políticas discutíveis, mas como fases obrigatórias, quase naturais. O futuro deixa de ser um espaço de escolha e torna-se um destino.
Aqui entra o equívoco central: a fé deslocada na ciência. No século XIX, o prestígio das ciências naturais levou muitos intelectuais a acreditar que tudo — incluindo sociedades humanas — obedeceria a leis tão rígidas como as da física. O marxismo bebe diretamente desse positivismo. Ao chamar-se “científico”, reclama uma autoridade que dispensa debate moral e político. Se algo é científico, opor-se a isso não é discordar: é errar.
É por isso que o marxismo tende a tratar o dissenso como “falsa consciência”. Se a História tem leis, quem discorda não tem outra perspetiva — está simplesmente enganado. A política transforma-se em pedagogia forçada, e a coerção passa a ser justificada como correção da realidade. O problema não é apenas autoritário; é epistemológico.
No fundo, o marxismo partilha com o determinismo clássico a mesma promessa enganadora: substituir a responsabilidade humana pela inevitabilidade histórica. A liberdade não desaparece por repressão direta, mas por redefinição: somos livres apenas quando aceitamos a necessidade. Tudo o resto é atraso, erro ou ilusão.
Marxismo, afinal, não aboliu o determinismo. Apenas lhe deu um novo disfarce — e chamou-lhe ciência.
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