O libertarianismo é a expressão política do não-determinismo
Se o marxismo pode ser lido como a tradução política do determinismo histórico, o libertarianismo representa o seu oposto simétrico: a expressão política do não-determinismo. Não porque negue a causalidade ou as regularidades sociais, mas porque recusa a ideia central de que o futuro humano possa ser deduzido a partir de leis históricas conhecidas por uma elite.
O ponto de partida libertário é simples e profundamente realista: a sociedade não é um sistema fechado. Ela resulta da ação de milhões de indivíduos com objetivos distintos, informação incompleta e preferências mutáveis. Não existe — nem pode existir — um ponto de vista privilegiado a partir do qual o curso da História seja previsível ou planificável. O futuro emerge; não se executa.
É aqui que o libertarianismo rompe com todas as filosofias políticas deterministas. Enquanto estas partem da ideia de que a ordem correta pode ser desenhada com base em conhecimento “científico”, o libertarianismo parte da constatação inversa: o conhecimento relevante está disperso, fragmentado, incorporado nas decisões quotidianas dos indivíduos. Nenhuma mente, nenhum comité, nenhum partido pode agregá-lo de forma centralizada.
Esta intuição foi formulada com clareza por Friedrich Hayek, ao mostrar que a ordem social mais complexa — o mercado, o direito consuetudinário, a linguagem — não é planeada, mas resulta de processos espontâneos de coordenação. Trata-se de uma ordem sem autor, precisamente porque ninguém conhece o guião.
O libertarianismo reconhece a existência de incentivos, de padrões de comportamento e de consequências previsíveis. O que rejeita é a passagem ilegítima dessas regularidades locais para profecias globais sobre o destino da sociedade. É a crítica clássica ao historicismo, desenvolvida por Karl Popper: prever o curso da História implica assumir que o crescimento do conhecimento humano é previsível — o que é logicamente impossível.
Neste quadro, a liberdade deixa de ser um luxo moral e passa a ser uma condição epistemológica. Só sociedades livres conseguem aprender, corrigir erros e adaptar-se a circunstâncias inesperadas. O erro não é uma falha do sistema; é informação. A diversidade de escolhas não é ruído; é o mecanismo de descoberta.
Por isso, o libertarianismo não promete um fim da História, nem uma sociedade perfeita. Promete algo mais modesto e mais humano: um sistema aberto, onde o futuro não está decidido à partida e onde ninguém tem autoridade para impor a sua visão como necessidade histórica.
Em suma, se o determinismo político fecha o futuro em nome da ciência, o libertarianismo mantém-no aberto em nome da liberdade. Não porque tudo seja possível, mas porque nada de verdadeiramente humano é inevitável.
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