(Continuação daqui)
3. Política e negócios
O povo português elege o eurodeputado Paulo Rangel para o representar no Parlamento Europeu. O eurodeputado Paulo Rangel, sem que o povo se aperceba disso, usa o poder e a influência que essa posição lhe dá para se vender por 10 mil euros ao mês (cf. aqui) aos interesses de uma poderosa empresa multinacional - a sociedade de advogados Cuatrecasas.
A Cuatrecasas é a segunda maior sociedade de advogados da Europa continental, factura mais de 300 milhões de euros ao ano e está presente em mais de duas dezenas de países, sendo Portugal o mais importante, logo a seguir a Espanha, onde tem a sua sede (Barcelona). Em 2015, o seu presidente, Emílio Cuatrecasas, neto do fundador, foi condenado a dois anos de prisão por fuga ao fisco, uma pena que acabaria comutada em multa de 4 milhões de euros, aparentemente em resultado do tráfico de influências exercido pela Cuatrecasas dentro do governo espanhol da altura, liderado pelo PP de Mariano Rajoy (cf. aqui).
O povo português, que não anda a escrutinar as declarações de interesses dos seus eurodeputados, algumas delas escritas em línguas que o povo não percebe (cf. aqui), nem a cuidar de saber o que eles andam a fazer, julgará, ao ver o eurodeputado Paulo Rangel a falar no Parlamento Europeu, a comentar na televisão ou a escrever para os jornais, que o eurodeputado Rangel está a desempenhar as funções públicas de eurodeputado, para as quais foi eleito, em prol do bem comum.
A verdade, porém, é que, segundo a imprensa, o eurodeputado Paulo Rangel comparece apenas a cerca de metade das sessões do Parlamento Europeu, ocupando uma boa parte do seu tempo e do seu mandato de eurodeputado a promover os interesses da Cuatrecasas e dos seus clientes e a enriquecer pessoalmente (cf. aqui). A razão é que o patrão-povo é um patrão ausente, ao passo que o patrão-Cuatrecasas é um patrão presente e pressionante, exigindo resultados e performance ao eurodeputado Rangel, em troca dos dez mil euros mensais que lhe paga de salário.
As grandes sociedades de advogados não derivam as suas principais receitas da litigação em tribunal. Uma boa parte das suas receitas resulta de consultoria jurídica que elas facturam numa unidade de conta de difícil escrutínio público - "horas de assessoria jurídica". É assim que num artigo do jornal i o eurodeputado Rangel, na altura sócio e director da sociedade Cuatrecasas no Porto, aparece a explicar milhares de horas de assessoria jurídica facturadas à Câmara Municipal do Porto (cf. aqui), na altura presidida pelo seu companheiro de partido Rui Rio, mesmo se a CMP possui um enorme gabinete jurídico (onde, incidentalmente, trabalha a mulher do sub-director da Cuatrecasas-Porto da altura, Filipe Avides Moreira, outro militante do PSD).
Os contratos de assessoria jurídica para uma grande sociedade de advogados como a Cuatrecasas são particularmente apetecíveis quando envolvem instituições públicas porque nem as "horas de assessoria jurídica" são facilmente escrutináveis nem o dinheiro dos contribuintes é devidamente controlado porque o seu dono - o povo português - não está lá no meio das partes contratantes para dizer de sua justiça. Ainda recentemente, num dos últimos actos da governação de Carlos Costa (PSD) à frente do Banco de Portugal, este atribuiu por ajuste directo um contrato de três milhões de euros à Cuatrecasas (cf. aqui).
A Cuatrecasas em Portugal está sobretudo ligada ao PSD, embora também empregue políticos de outros partidos - o caso mais notório é o de António Vitorino, cf. aqui - para o mesmo efeito que emprega políticos do PSD - para lhe angariar negócios, sobretudo no sector público, onde o dono do dinheiro nunca está presente. Em Espanha, a Cuatrecasas está ligada ao equivalente espanhol do PSD português - o Partido Popular. Para retribuir o favor de evitar que o seu presidente Emílio Cuatrecasas fosse parar à prisão, a Cuatrecasas viria a empregar, a um salário milionário, a ex-vice-presidente do Partido Popular espanhol quando ela saiu do governo (cf. aqui).
Outra das grandes áreas de actividade das grandes sociedades de advogados é a intermediação de grandes negócios, preferencialmente aqueles que têm o Estado por interveniente e sempre pela mesma razão - o povo não está presente para ver como são gastos os dinheiros que lhe pertencem. Não surpreende que a Cuatrecasas apareça a aconselhar e a intermediar negócios financeiros com empresas públicas como a Metro do Porto, às vezes com efeitos catastróficos (cf. aqui) ou o eurodeputado Paulo Rangel apareça a comentar em público assuntos relativos à TAP em cuja privatização estava envolvida a Cuatrecasas de que ele próprio era sócio (cf. aqui).
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário