03 maio 2021

Marçanos da judicatura (VIII)

 (Continuação daqui)


VIII. Aquilo que eles quiserem


O acórdão 595/2018 do Tribunal Constitucional, na prática, reescreve a Constituição. 

Onde o artº 32º, nº 1, dizia "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso" (cf. aqui), passou a dizer: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, excepto se a condenação for em pena de multa ou outra não privativa da liberdade".

Eu gosto de imaginar um cidadão nas condições dos guardas da GNR a dirigir-se ao Tribunal Constitucional, não por intermédio de um advogado, mas em pessoa e de Constituição na mão, e a ser recebido por um assessor do Tribunal. O diálogo poderia ser assim:  

-(Cidadão) Olhe, eu venho aqui para exercer o meu direito ao recurso que está previsto no número 1 do artigo 32 da Constituição!...

-(Assessor) E qual é a sua história?

-Ofendi um funcionário público ... fui absolvido na primeira instância... mas depois condenado na Relação...agora quero recorrer para o Supremo...

-E qual é a pena?

-Multa de dois mil euros e cinco mil de indemnização...

-Nesse caso o senhor não tem direito ao recurso...

-Não tenho!?...

-Não, não tem... como a pena é de multa o senhor não tem direito ao recurso...

-Mas a Constituição não diz isso...

-Pois... mas o que  a Constituição diz não se escreve... o senhor só teria direito ao recurso se tivesse  sido condenado em pena de prisão...

-Desculpe insistir... mas a Constituição não diz nada disso...

-Oh homem, já lhe disse! ... o que a Constituição diz não se escreve!... somos nós é que decidimos isso aqui, não é a Constituição...


A questão remete, evidentemente, para a ideia que é vendida aos portugueses de que  vivemos num Estado de Direito Democrático. A ideia do Estado de Direito significa o primado da Lei sobre a vontade de qualquer homem (que, de outro modo, seria um ditador), e a submissão de todos os cidadãos igualmente às mesmas Leis. E a ideia do Estado Democrático significa que as Leis em vigor no país são aprovadas pelos cidadãos ou pelos seus representantes.

Ora, quando o Tribunal Constitucional está presente nada disto acontece.

O primado não é da Lei ("O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso"), mas da vontade dos "juízes" do Tribunal Constitucional (O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, excepto se a condenação fôr em pena de multa ou outra não privativa da liberdade"). 

A Lei não se aplica a todos, mas apenas a alguns, deixando outros de fora - os cidadãos condenados em pena de multa ou outra não privativa da liberdade.

Finalmente, a lei não é nada democrática, porque os "juízes" do Tribunal Constitucional não são eleitos pelo povo.

Nós não vivemos num Estado de Direito Democrático. Nós vivemos numa ditadura dos partidos que nomeiam os "juízes" para o Tribunal Constitucional, que são o PS e o PSD. Nós vivemos numa ditadura de partidos que dita as regras através de uma nomenclatura de marçanos da judicatura por si designada.

 A Lei não é aquilo que lá está escrito, mas aquilo que eles quiserem.

(Continua)

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