I. A Crítica do Socialismo e o Estado Subsidiário
Numa série de posts anteriores comentei alguns temas do programa do Chega. Em matéria económica, o Chega tem muitos pontos de contacto com o pensamento económico de Salazar que enformou o Estado Novo. Salazar e o Chega convergem na crítica ao socialismo e na defesa do Estado Subsidiário.
Salazar acreditava que o socialismo iria pôr muitos portugueses a viver à custa de subsídios do Estado e daria lugar à expressão de uma característica particular dos portugueses, que é a propensão para legislar ao detalhe a vida dos outros (isentando-se eles, normalmente, das mesmas regras às quais gostariam de sujeitar os outros).
Cito das célebres entrevistas de António Ferro a Salazar conduzidas na década de 1930 (António Ferro, "Entrevistas a Salazar", Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 2007, pp. 43-44).
"Esse Socialismo de Estado, que muitos apregoam e aconselham como um regime avançado, seria, na verdade, o sistema ideal para lisonjear o comodismo nato e o delírio burocrático do comum dos portugueses".
Em várias ocasiões da sua vida pública, Salazar faz referência a uma característica cultural dos portugueses que parece ter sido determinante na formação do seu pensamento económico e social - o comodismo
"Nada mais cómodo, mais garantido, mais tranquilo do que viver à custa do Estado, com a certeza do ordenado no fim do mês e da reforma no fim da vida, sem a preocupação da ruína ou da falência".
Na opinião de Salazar, a apetência dos portugueses para o socialismo era mais o resultado da sua falta de iniciativa do que de uma genuína preocupação com os outros:
"O Socialismo de Estado é o regime burguês por excelência. A tendência para esse regime, entre nós, deve, portanto, procurar-se mais no fundo, falho de iniciativas da nossa raça do que noutras preocupações de ordem social".
A propensão do Estado para se tornar um "grande bando de ladrões" - um tema que tenho vindo a tratar neste blogue -, e que o Chega trata sob a bandeira da Corrupção, não era estranha ao pensamento de Salazar:
"O Estado não paga muito mal e paga sempre. É-se desonesto, além disso, com maior segurança, com segura esperança de que ninguém repare. As próprias falências, os desfalques, as irregularidades, se há compadres na governação, são facilmente abafados e os défices cobertos - regalia única! - pelos orçamentos do Estado".
Salazar via as ineficiências do Estado como o resultado inevitável da ausência de uma figura muito forte e endémica à cultura portuguesa - a figura do patrão:
"As iniciativas, por outro lado, não surgem, não progridem, porque o patrão é imaterial, quase uma imagem. As coisas marcham com lentidão, com indolência, com sono".
Salazar reitera a sua descrença no socialismo e enumera depois os projectos públicos que resultaram em fracasso na época:
"É possível que essa socialização tenha dado ou possa vir a dar óptimos resultados em qualquer outro país. Entre nós, os resultados não podem ter sido piores nalgumas experiências já feitas. Basta citar os Transportes Marítimos, os Bairros Sociais, os Caminhos de Ferro do Estado...".
Abre, porém, uma excepção:
"Apenas uma excepção que me lembre: a Caixa Geral de Depósitos. Essa é, realmente, uma iniciativa admirável do Estado português que tem prestado ao país, ao desenvolvimento da sua economia, sobretudo neste últimos anos, incalculáveis serviços".
Mas essa excepção não pode ser tomada como regra. Para Salazar, o Socialismo de Estado é uma empecilho à dinâmica da sociedade:
"Mas a Caixa Geral de Depósitos desenvolve uma actividade que pode ser e é estreitamente regulamentada, e funciona com tal autonomia que quase se desprende das engrenagens do Estado. Não devemos tomá-la, portanto, como modelo desse Socialismo do Estado, prejudicial sobretudo num país como o nosso porque lhe quebra a marcha, porque não lhe deixa criar os valores sociais autónomos que são indispensáveis ao seu progresso".
E, finalmente, a defesa intransigente do Estado Subsidiário, que é comum ao Chega (cf. aqui)
"Sou absolutamente hostil a todo o desenvolvimento da actividade económica do Estado em todos os domínios em que não esteja demonstrada a insuficiência dos particulares".
(Continua)
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