07 novembro 2020

Um juiz à solta (VII)

 (Continuação daqui)

Uma espécie de bispo Edir Macedo do catolicismo


VII. Depois do espanto

O Movimento dos Focolares ou Obra de Maria situa-se naquela zona cinzenta onde a Igreja Católica, que é portadora de uma cultura universal e que tudo pretende abarcar, se aproxima das seitas protestantes para as integrar e as transformar, colocando-as ao seu serviço.

O Movimento, como já foi referido, possui todas as características das seitas protestantes, e mais uma, a única que lhe confere um carácter católico - a sua submissão à autoridade do Papa. Em tudo o resto é puro protestantismo. 

Ao contrário do catolicismo, em que os padres são religiosos profissionais, os padres do protestantismo são laicos - os chamados pastores  protestantes. Ao contrário do catolicismo também, em que só os homens podem ser padres, no protestantismo os pastores podem também ser mulheres. Chiara Lubich, a fundadora do Focolares é, aliás, a figura acabada da pastora evangélica. Em Portugal, esse papel é desempenhado pelo juiz Pedro Vaz Patto.

Na sua condição de presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (cf. aqui), um organismo da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o juiz Vaz Patto é o porta-voz laico dos bispos católicos. Colocado ao nível e com a mesma senioridade dos seus mandantes, ele é um bispo laico, uma espécie de bispo Edir Macedo do catolicismo, que pratica o proselitismo no espaço público com a determinação que é própria de um qualquer bispo protestante.  

Por exemplo, neste artigo do Observador (cf. aqui), o bispo Vaz Patto prega contra a prostituição, advogando a sua abolição. No mundo imaginado pelo juiz Vaz Patto, a mais velha profissão do mundo estaria proibida e as prostitutas estariam todas metidas na prisão, o que nos deixa a pensar o destino que terá uma infeliz prostituta que, sob qualquer pretexto, caia um dia nas mãos do juiz Vaz Patto para julgamento.

Mas não apenas isso. Fica-se a pensar, nesse mundo idealizado pelo bispo Vaz Patto, como seria a vida de cada português, preocupado  em proteger a sua mulher, as suas filhas ou as suas irmãs do crime de violação. Em Lisboa e Porto, eu imagino-o armado cada vez que à Rocha do Conde de Óbidos, ou ao porto de Matosinhos, acostasse um barco de guerra estrangeiro com dois mil e quinhentos marines a bordo e sete meses de alto mar.  

Para o juiz Vaz Patto, seguindo a teologia católica, a liberdade é a fonte de todos os pecados. Por isso, as mulheres não devem ter a liberdade para decidir a sua vida, incluindo a sua vida sexual, e devem ser submetidas, como, aliás, está na natureza e na prática do Movimento dos Focolares. No projecto político-religioso do bispo Vaz Patto às mulheres está reservada uma vida que nenhum homem livre desejaria para as suas filhas.

Porém, aquilo que mais me surpreendeu na leitura do referido artigo, foi a maneira como o juiz Vaz Patto o assina - Presidente da mesa da Assembleia Geral de "O Ninho". A Associação "O Ninho" é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que se dedica a proteger mulheres da prostituição. A pergunta que imediatamente ocorre é a seguinte: "Mas o juiz Vaz Patto ainda tem tempo para se dedicar a proteger mulheres da prostituição?".

Como presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, o juiz Vaz Patto tem uma actividade de grande responsabilidade e que lhe deve consumir muito tempo, incluindo viagens a Roma e a outras capitais católicas. O juiz Vaz Patto consome também uma boa parte do seu tempo num proselitismo activo e assertivo contra várias causas, como a eutanásia, o aborto ou a prostituição. O juiz Vaz Patto assina manifestos e participa em comícios e conferências contra estas causas. O juiz Vaz Patto é membro do Movimento dos Focolares e exerce o seu proselitismo político-religioso constantemente na comunicação social, em jornais como o Observador e o Público, no jornal Voz da Verdade, na revista Cidade Nova - onde, ainda por cima, é chefe de redação - e, sobretudo, nos meios de comunicação católicos, como a Rádio Renascença e a Agência Eclésia. O juiz Vaz Patto ainda tem tempo para fazer parte da Associação "O Ninho"?

Sim, o juiz Vaz Patto ainda tem tempo para fazer parte da Associação o Ninho, que tem sede em Lisboa. Na realidade,  o juiz Vaz Patto escreveu aquele artigo no Observador depois de regressar de uma conferência sobre prostituição que teve lugar em Mainz, na Alemanha, onde foi representar a Associação "O Ninho".

Depois do espanto, fica a dúvida: Ao juiz Vaz Patto ainda sobrará algum tempo para comparecer ao trabalho no Tribunal da Relação do Porto? Ou será que, seguindo o exemplo do seu colega Rui Rangel, entrega a redação dos acórdãos à mulher ou a alguma amiga colorida?   

(Continua)

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