04 agosto 2020

Os milagres de S. Branquinho (V)

(Continuação daqui)


V. O milagre dos três andares


Os milagres são como as cerejas. Milagre puxa milagre. E foi assim que ao transformar, do dia para a noite, um edifício de quatro andares que servia de centro de noite para idosos num hospital de sete andares, dotado de enfermeiras e tudo, S. Branquinho criou um grave problema camarário em Valongo.

Havia agora uma discrepância entre a realidade de um hospital de sete andares em pleno funcionamento e a licença camarária que se referia a um edifício de quatro andares para acolher idosos à noite, e o problema não se apresentava de fácil resolução.

As autoridades camarárias, o empresário promotor e o empreiteiro reuniram-se nos Paços do Concelho de Valongo para estudar as alternativas de solução. Eram duas. Corria o mês de Dezembro de 2007 e a decisão tinha de ser tomada antes do final do ano.

Primeira, cortar três andares ao edifício e pedir ao Ministério da Saúde autorização para converter os doentes em idosos. Este projecto tinha um prazo de execução de seis meses, custava um milhão de euros, mas o seu grande inconveniente era a poluição sonora que causava aos doentes da enfermaria do quarto andar.

Segunda, acrescentar três pisos à licença de construção já emitida pela Câmara, mas dada a morosidade da burocracia valonguense e o preço de construção por metro quadrado, este projecto demoraria dois anos a ser executado e tinha um custo estimado de 4,5 milhões de euros.

S. Branquinho estava no café central de Valongo, a beber um copo de vinho verde, quando ouviu na mesa ao lado que iriam arrasar os três andares superiores do Hospital de S. Martinho, e convertê-lo numa casa para idosos.

Ao ouvir isto, um arrepio subiu-lhe pela coluna acima, o gole seguinte de vinho até lhe soube mal, era como se fossem cortar a cabeça a S. Martinho, que gostava de beber vinho verde como ele, embora numa tasca dos arredores de Braga há muitos séculos atrás.

Movido por santa solidariedade, pediu o número de telefone do empresário que era o dono do hospital, de nome Joaquim Teixeira, e ligou-lhe no dia seguinte. A conversa decorreu em código, não fossem os inquisidores do Ministério Público do Porto estarem à escuta:

-Quim?

-Sim.

-Daqui Little White…

-OK.

-Faço os três andares por 5% do preço… 225 mil…para dar aos pobrezinhos... pagos em conta no BES…

-Já falaste ao Salgado?

-Tudo arranjado com o Salted…

-Quanto tempo demoras?

-Nove dias.

-Fechado.

Nove dias depois, a 21 de Dezembro de 2007, na licença camarária, onde antes constava a autorização para construir um edifício de quatro andares, destinado a um centro de noite para idosos, passou a constar a autorização para construir um hospital com sete andares.

Foi o segundo milagre de S. Branquinho em Valongo - o milagre dos três andares -, um milagre certificado pelo Ministério Público do Porto que, uns longos treze anos depois, em pleno verão de 2020, no despacho de acusação, escreveu: "(…) ali se declarou que os três pisos suplementares foram concluídos em nove dias" (cf. aqui, p. 15 da edição em papel).

(Continua)

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