04 agosto 2020

Os milagres de S. Branquinho (IV)

(Continuação daqui)

IV. O milagre do hospital


Repetindo metade da notícia da passada sexta-feira (cf. aqui, p. 15 da edição em papel), porque estamos no verão, não há notícias e é preciso encher papel, o Público volta hoje a S. Branquinho para dizer que o Ministério Público do Porto se prepara para lhe atribuir mais dois milagres - o de fraude fiscal e o de branqueamento de capitais (cf. aqui, p. 13 da edição em papel).

Convém esclarecer que S. Branquinho é capaz de fazer muitos milagres, mas o milagre em que ele é verdadeiramente especialista, é no milagre de branqueamento. É daí que lhe vem o nome - Branquinho.

Aos três anos já branqueava as paredes da casa materna e aos 16 branqueava a carteira aos seus professores da escola secundária. Só a partir dos 25, por falta de oportunidades de branqueamento no país, é que decidiu emigrar e foi branquear para a Suíça, decorria o ano de 1981. Desde então, o milagre do branqueamento permanece o mais repetido, e também o mais banal, do seu extenso CV.

Muito mais excitantes foram os milagres que S. Branquinho fez em Valongo entre 2003 e 2007. Neste período de quatro anos, construiu-se em Valongo um hospital de sete andares - o Hospital de S. Martinho -, num espaço que estava licenciado pela Câmara para ser um edifício de quatro andares destinado a um centro de noite para idosos.

Mas apesar do alvará ser público e Valongo ter uma população de 90 mil habitantes, nunca ninguém - incluindo o presidente da Câmara, os vereadores e os técnicos camarários -, alguma vez viu ali um hospital, muito menos com sete andares. O que toda a gente via ali, quando passava, era um edifício de quatro andares com velhinhos a entrarem de noite e a saírem de manhã.

Até que um dia, um senhor reformado de 87 anos, que andava a dar o seu passeio de fim-de-tarde enquanto a mulher fazia o jantar, passou pelo local, parou e ficou a olhar para o edifício.

-Oh diabo!... ontem estava aqui um centro de noite para velhos com quatro andares … e hoje está aqui um hospital de sete andares…

disse de si para si.

Chegou a casa e contou à mulher:

-Oh Felismina… tu já reparaste que aquele prédio novo ali ao pé do Café do Silva ontem tinha quatro andares e hoje é um hospital com sete?...

-Olha, home… tu estás mas é com Alzaimere… aquele prédio sempre teve quatro andares e é um centro de noite para velhos, home…

-Olha que não, Felismina… olha que eu hoje vi lá um hospital e estive a contar os andares… são sete…

Palavra puxa palavra e a conversa, que tinha começado amigável, foi aquecendo até terminar numa cena de violência doméstica, que comoveu Valongo inteiro. O homem foi detido pela GNR nesse mesmo dia, mais tarde condenado a 20 anos de prisão mas, dada a idade avançada, a pena foi comutada em internamento compulsivo num hospital psiquiátrico do Porto.

O episódio teve, porém, o mérito de fazer acorrer ao local, na manhã seguinte, três quartos da população de Valongo, uma maioria qualificada, incluindo o presidente da Câmara, os vereadores, os técnicos camarários que tinham concedido a licença, o próprio empreiteiro e os trabalhadores que tinham levantado o edifício.

E era verdade. E a verdade era consensual. Onde todos, até à véspera, tinham visto um edifício de quatro andares com velhos a entrar e a sair, agora todos viam um edifício de sete andares e um hospital em pleno funcionamento com médicos e enfermeiras de bata branca.

Foi o primeiro milagre de S. Branquinho em Valongo - o milagre do hospital.

(Continua)

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